segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Reflexões natalinas


* Publicada originalmente em 23/12/2016

Há uma certa melancolia, quase deprê, neste período de festas. Talvez seja pela obrigatoriedade de mostrar felicidade, enquanto a realidade é desanimadora. Culpa também das revisões que o fim de uma etapa impõe e a conclusão de que muito foi sonhado e pouco concretizado e isso vale tanto para a vida pessoal como para o lado profissional.  Se pelo menos os presentes compensassem as frustrações, mas nem isso tem ajudado.

Foi-se o tempo das cestas de Natal repletas de produtos importados, ou das bebidas finas ou, ainda, dos eletrônicos de última geração oferecidos como mimos por clientes e fornecedores. No Jornalismo tal prática é conhecida como “toco”. Escapa ao meu conhecimento a origem da expressão. Talvez represente coisa pequena e o uso  parece ser exclusivo dos jornalistas gaúchos.

Hoje o recebimento dos regalos é visto com restrições ou tratado como folclore, mesmo porque a operação Lava Jato desnudou o toma lá, da cá em nível bilionário.  E, assim, ofertantes e recebedores foram para a retranca, com os toqueiros bagrinhos, aqueles que recebem um misero espumante moscatel ou um panettone, pagando pelos peixes grandes, pós graduados em mamarem nos recursos públicos.

Não estou aqui para lamentar por nenhum deles. Na verdade, quero deixar meu protesto veemente, em nome de todos os capricornianos que fazem aniversário no Natal ou nos dias próximos. Não são poucos, garanto, mas a maioria alega que é discriminada quanto aos presentes, recebendo um que vale por dois devido a coincidência de datas. Por muito tempo fui vitima dessa sovinice, eis que nasci em 6 de janeiro, dia de Reis (mera coincidência), embora  a data seja referencia a chegada dos reis Magos Melchior, Baltasar e Gaspar à gruta de Belém para presentear o Menino Jesus com ouro, incenso e mirra. No  Uruguai a troca de presentes ocorre nesse dia. Mesmo assim, apesar  de  todo esse respaldo bíblico e de tradição, muitas vezes eu ficava sem o  presente de aniversário.

Nem por isso precisei apelar para o divã dos analistas a fim de curar minha frustração por não ser presenteado  e olha que   nem precisava ser ouro, mirra e incenso, bastava um carrinho, uma bola, um joguinho qualquer.


Não vão faltar línguas maldosas para dizer que estou aqui apelando para o coitadismo e  insinuando  a necessidade de ser presenteado no aniversário próximo -  com vinhos importados, espumantes de boa cepa, cervejas  artesanais, camisas azuis de grife, utensílios para churrascos. Não, gente,  não precisa se incomodar. 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A República dos Motoristas


* Publicado  nesta data em Coletiva.net
No Brasil, a assertiva do velho Marx de que a história se repete, a primeira vez como tragédia  e a  segunda como farsa, não é bem assim. Aqui se repete como tragédia, drama, comedia  e, sobretudo, como farsa. E como se repete, repete, repete!

Invoco Marx a propósito da interferência repetitiva dos motoristas na vida brasileira, especialmente no período  da redemocratização. Valeria certamente um estudo acadêmico mais  aprofundado sobre estes profissionais  e a influência deles no curso da história. Não falo dos caminhoneiros  que derrubaram a economia  com a paralisação em maio – foram protagonistas também, apesar  do desserviço prestado -,  mas dos motoristas que tem a responsabilidade do leva e traz  das autoridades.

Um caso notório é  do ex-motorista de Fernando Collor, Eriberto França, que  denunciou  pagamentos indevidos ao  então presidente e isso foi decisivo no processo que resultou no impeachment.



Só que a realidade, às vezes, é cruel, tanto assim que Eriberto, conhecido como “ o motorista que derrubou Collor”, amargou o desemprego por um bom tempo, enquanto o ex-presidente voltou ao Senado e às maracutaias, e tem sido citado com assiduidade na Lava Jato.



Não é motorista, mas mesmo assim merece o registro pelas atitudes que tomou, o caseiro Francenildo  Costa em meio ao escândalo do Mensalão. Ele denunciou os contatos de Antonio Palocci, então ministro da Fazenda de Lula,  com lobistas desejosos de “negociar” com o governo ,  teve seu sigilo bancário quebrado, o que acabou servindo para tornar insustentável a permanência do denunciado no cargo.  



Francenildo  também enfrentou o desemprego, mas, se serve de consolo, Palocci, diferente de Collor, foi encarcerado, se bem que acabou beneficiado agora, depois da delação premiada, com prisão  domiciliar.



Mais recentemente, denúncias de dois motoristas complicam a posse como ministra do Trabalho da deputada  Cristiane Brasil, que descumpriu a legislação trabalhista na relação com os profissionais. A deputada violou uma regra básica: os motoristas, que tudo ouvem e a tudo assistem, são cargos de confiança por excelência e como tal devem ser tratados.



E ganha as manchetes agora a suspeita envolvendo o motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito. O sujeito, morador de uma casa modesta na periferia do Rio, movimentou mais de R$ 1,2 milhão na sua conta bancária, conforme revelação do atento COAF. Um cheque de R$ 24 mil para a futura primeira dama aproximou  ainda mais Jair Bolsonaro do imbróglio. Até agora as explicações dos envolvidos  revelam um tanto de amadorismo e outro tanto de desfaçatez.



O principal personagem – o motora – até domingo ainda não tinha aparecido para se explicar.  Dependendo dos desdobramentos, o episódio pode ter como inédito efeito na política brasileira uma fragilidade do governo antes mesmo de  assumir. E nem dá pra culpar o motorista, que parece ser mero intermediário nessa malsucedida operação.



Por fim, poderia falar também do papel desempenhado por ex-mulheres, ex-namoradas e ex-amantes nos grandes escândalos nacionais, mas aí é outra história, que também se repete, repete, repete.


domingo, 16 de dezembro de 2018

Identidade seminal


* Publicado em Coletiva.net em 26/11/2018
-Bom dia, seu Júlio.

O cumprimento do rapaz que  circula de bicicleta todas as manhãs em Ipanema é tão previsível como as minhas caminhadas pelo calçadão.  O rapaz era amigo do meu filho, já frequentou minha casa, mas acho que por não desempenhar outra atividade, a não ser pedalar  o dia todo e  todos os dias, criou na sua cabeça, ornada por dreadlocks, uma identidade que não corresponde a do caminhante.

Respondo a ele  como a mesma civilidade, ora com “bom dia”, ora  com um gesto de positivo. É que já estou acostumado a ser vítima e agente de  trocas de nomes.  A cozinheira da firma, por exemplo, pede desculpas  cada vez que me chama de ”seu Sérgio”. Tempos atrás quando trabalhava como comprador de uma instituição, um veterano e formal vendedor de material de escritório alternava, na mesma negociação, propostas ao “senhor  Jorge”, “senhor Cláudio”, “senhor Valter”, além dos  senhores “Júlio”, “Sérgio” e até “Flávio”.  Achava aquilo  tão fantástico que não me atrevia a corrigi-lo.



Sei lá o que Jorge, Cláudio, Valter, Júlio e  Sérgio tem em comum com Flávio.  Talvez porque  sejam nomes curtos, no máximo sete letras, alguns com o mesmo acento na primeira sílaba  e a mesma divisão silábica.  Mas isso não  é salvo conduto para sair por ai trocando o nome que  a dona Thelia, minha santa  mãe,   escolheu para seu querido sexto  filho e cujo significado é singelo, mas tem história: o nome Flávio tem origem a partir  do latim Flavius, que se originou na palavra flavus, que quer dizer “amarelo”, “dourado” ou “louro”, em referência a cor  dos cabelos. O surgimento do nome tem  como base o de uma  família romana, de onde saíram três imperadores, a partir de Tito Flavio Sabino Vespasiano, que deu origem a dinastia conhecida  como “flaviana”. Origem dinástica, por essa nem eu esperava!



O histórico do nome não impede, entretanto, as trocas a que tenho sido submetido e que podem ser castigos para  as que tenho cometido. Um exemplo clássico é saudar o produtor cultural  Esdras Rubin como Wesley Cardias, especialista em marketing, que nem parecidos são. Menos mal que ambos já  revelaram que  não é exclusividade minha essa troca.



Só utilizo o nobre espaço proporcionado pelo Coletiva.net  para tratar de uma questão aparentemente banal e  pessoal porque defendo que reconhecimento e respeito à identidade seminal, no caso o nome de registro,  tem -  ou deveria ter - valor de cláusula pétrea para todos. A  legislação brasileira    prevê a adoção do nome social por travestis e transexuais em substituição ao nome de registro, porque é ao novo nome que a pessoa  se identifica,  uma vez que corresponde ao gênero a que ela aderiu. Porém, daqui a pouco surgirá um movimento para o reconhecimento a algo como Nome Ideológico para satisfazer os que agregaram Lula ou Bolsonaro ao seus nomes. Valeria também para os Guarani-Kaiowa. A Justiça Eleitoral já admite registro de candidaturas com tais composições. Só que essa turma tem mais apreço ao voto do que as suas identidades.



No meu caso, tão grave como a trocas, que não faço por maldade ou desrespeito,  é o branco que me acomete diante de conhecidos, cujo nome me escapa. Chamaria a situação de “Mal da Fila de Autógrafos”, pois se acentua nos lançamentos de livros. Você divisa aquele velho conhecido chegando cada vez mais perto  para receber os seus garranchos no livro que ele gentilmente adquiriu e o nome não vem à memória.  Na recente sessão de autógrafos de “A Maldição de Eros”  ocorreu uma situação  dessas com uma figura  querida e conhecidíssima e nada de lembrar o nome. Fui  providencialmente socorrido por um  casal amigo  que teve a feliz ideia de cumprimentá-lo pelo nome, antes que  aportasse  em mim.



Agora  estou me policiando  e criando estratégias para não cometer mais gafes ou esquecimentos. Garanto  que vou mudar ou não me chamo mais Júlio Sergio Claudio Valter Jorge Flávio Vieira Dutra,.



*Por curiosidade  registro do significado dos outros nomes aqui mencionados. Jorge, na origem, significava agricultor;  Valter, poderoso guerreiro; Júlio, pessoa jovem: Claudio, coxo, manco, daí o termo “claudicante”; Sérgio, protetor. Olha, confesso que só trocaria meus dourados pela juventude do Júlio, o que talvez absolva o rapaz da bicicleta. Vá que ele ache o veterano aqui nem tão veterano!


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Chama o Papa


* Publicado em Zero Hora em 10/12/2018

A violência dos vândalos do River contra o ônibus  do Boca, que resultaram no adiamento  da decisão da Copa Libertadores, preocupou mais os dirigentes da Conmebol pela presença do presidente da Fifa no  estádio do que pelos prejuízos causados a uma das equipes ou porque era mais  um vexame envolvendo a  instituição que dirige o futebol sul-americano. Gianni Infantino, o homem da FIFA, até pela posição  que ocupa, certamente deve saber que os hermanos são desordeiros  contumazes e mega reincidentes em confusões dentro e fora do campo.

Só para recordar, uma dos maiores vergonhas ocorreu na Copa de 1966, no jogo entre Inglaterra e Argentina. O capitão argentino, Antonio Rattin se descontrolou, discutiu com o juiz, acabou expulso, mas demorou quase 20 minutos para deixar o campo e ao sair, cometeu a descortesia de amassar uma bandeirola inglesa. Foi saudado com vaias estrepitosas e gritos de “animais, animais”.

O histórico de violência dos argentinos contra  os europeus  marcou o mundial de clubes, especialmente na década de 70, quando o título era decidido em jogos lá e cá entre os campeões continentais.  Naquela década, dos dez torneios em sete os campeões europeus  se recusaram a jogar na América do Sul  ou não houve  competição pelo mesmo motivo.

Vale lembrar ainda, entre outras ocorrências, a Batalha de La Plata , o jogo Estudiantes  x Grêmio em 1983, que colocou em risco a vida dos representantes brasileiros. E, mais recentemente, pela  Libertadores de 2015, foi a torcida do Boca que lançou spray de pimenta contra os  jogadores do River no intervalo  da  partida. O Boca acabou punido com a desclassificação. O episódio do último sábado seria o revide pela agressão de 2015, só que a Conmebol perdeu toda a autoridade para agir com o rigor necessário e por fim a essa bagunça que privilegia o extra  campo  em detrimento do futebol.

Se me permitem a sugestão, acho que está na hora de o papa Francisco, argentino e aficionado torcedor  do San Lorenzo, entrar em campo e rogar pela pacificação das hinchadas do vizinho país e por ações confiáveis, disciplinares  e competentes dos diretivos. Se nem isso resolver, lamentavelmente acabará de vez aquela derradeira possibilidade de solução: a de  se queixar pro Papa. Aí será a vitória definitiva da barbárie.

Chatices de fim de ano



* Editado do original e publicado no Coletiva.net em 10/12/2018

Está aberta a temporada de chatices de fim de ano. Com isso é cada vez maior o número de pessoas que se deprimem, ficam melancólicas nesta época  e admitem publicamente que detestam as chamadas festas natalinas.  A estatística de desgostosos cresce na proporção direta em que o comércio antecipa suas campanhas de Natal, com o objetivo de vender mais e quanto mais cedo melhor.  Os shoppings, esses templos do consumo, se enfeitam como se disputassem um campeonato  de ornamentação natalina.

Particularmente já curti menos o Natal, mas voltei a me entusiasmar por causa das netas e neto, Maria Clara, Rafaela, Lívia e Augusto. Natal é a grande festa da criançada que  adora as tais casas do Papai Noel nos shoppings , mesmo que os pequeninos ainda se assustem com o velho gordo, de barbas brancas e vestido de vermelho. Mas, como diz minha faceamiga Monica Goulart,  acabar com a fantasia das crianças é crime inafiançável.

Eu prefiro olhar as assistentes do personagem,  mas não pensem que é um olhar  de más intenções, apenas um gesto fraterno de solidariedade, creiam-me,  às moças que lidam com crianças irrequietas ou assustadas e pais ansiosos.  Pois é  assim que se estabelece o ciclo que vai impulsionar ao consumo: atraindo a criança para o ambiente repleto de ofertas de produtos e serviços é inevitável que os mais velhos sejam levados ao ato da compra.  Os números variam conforme a pesquisa, mas de 50 a 60% dos brasileiros admitem fazer compras por impulso.  E a roda da economia anda.

Frequentar os shoppings nessas circunstâncias não é a pior chatice do período.  Tem coisas que nem o CD natalino da Simone (ainda existe?) ou o show do RC conseguem bater em termos de malice.  O noticiário esportivo, por exemplo, se esmera em nos torturar com teses sobre o bom ou mau desempenho dos nossos clubes, o futuro incerto nas competições que virão e as especulações sobre reforços e dispensas.  E as retrospectivas repletas de pequenos e grandes dramas; e as previsões para o próximo ano, repletas de obviedades.  E os comerciais piegas;  e a programação de fim de ano das TVs. Ah, e tem a festa da firma e o inevitável  Amigo Secreto,  que por si só já mereceriam uma boa dose de Prozac.

É quando sobrevém aquele sentimento de impotência e incompetência pelo que foi planejado e não realizado. Sempre fica algo para trás, inconcluso, desafiador, a debochar da nossa capacidade de entrega, como se os 12 meses  passados não fossem mero recorte de um tempo que prossegue, um tempo  em que nem tudo precisa ser renovação, mas sim um espaço para continuidades e retomadas. 

Relaxemos, pois, porque há vida após o Natal . O ciclo recomeça logo adiante, na passagem para mais um ano, uma etapa que, como as outras anteriores e as que virão, nada mais é do que representação  de uma convenção.   Perdão pelo reducionismo, mas é simples assim. Portanto, não precisa forçar a alegria. 


sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Dia do Profissional da Adrenalina

* Publicado a partir do original de  08/12/2013

Militei (gosto do termo) mais de 25 anos na chamada crônica esportiva. Comecei na Zero Hora, passei pela Folha da Tarde, trabalhei na Rádio e  TV Difusora (hoje Band), nas rádios Guaíba e Gaúcha, duas vezes em cada veículo, e encerrei esse ciclo na RBS TV/TVCom. Fui repórter e editor de jornal, editor e coordenador de rádio e TV, mas nunca me aventurei no microfone nem no vídeo. Achava que não tinha perfil pra isso, o que foi uma bobagem porque até a desenvoltura diante do público a gente aprende. Mas preferi me especializar nas ações da retaguarda da operação que envolve a cobertura esportiva, no dia a dia e nos grandes eventos.  Muito me orgulho também de ter atuado, por um bom período, na diretoria da Associação Gaúcha de Cronistas Esportivos (Aceg), da qual só não fui presidente. 

Aprendi muito neste período, até porque tive mestres inspiradores. Gente como o Armindo Ranzolin, um gigante ao qual presto meu reconhecimento e que, por feliz coincidência, faz aniversário nesta data; ao Ari dos Santos, que nos deixou recentemente e que na atividade profissional parecia ter a fórmula das polêmicas nos programas de debates; e,  nos jornais, meu guru Nilson Souza, um grande editor e cronista de texto irretocável, e o Emanuel Mattos, que também já nos deixou, e a quem devo minha reciclagem para o impresso nos anos 80. Claro que aprendi muito com outros companheiros e pra mim o aprendizado é permanente, mas faço questão de destacar os quatro profissionais porque realmente representaram muito na minha carreira. E em nome deles saúdo todos os que fazem da cobertura do esporte sua vocação e missão no jornalismo neste 8 de dezembro em que se celebra o Dia do Cronista Esportivo.

Comemorado no mundo inteiro, registros nada confiáveis creditam a data a Aulus Lépidis, que seria o primeiro cronista esportivo ao descrever num  8 de dezembro  um duelo entre escravos e leões, no jornal Acta Diurna, de Roma. Aulus  acabou ele mesmo devorado por animais famintos, jogado às feras por Marcelus Brunos, o domador dos leões, cuja esposa teria um caso amoroso com o primeiro mártir do jornalismo esportivo., que coisa, hein!

Fico pensando em como essa história seria contada pela imprensa esportiva da época e tenho certeza de seria uma cobertura ágil, detalhada, emocional e opiniática, com muita adrenalina, portanto, porque esses atributos – positivos ou negativos – fazem a essência da atividade. A verdade é que a crônica esportiva já nasceu sob o signo da controvérsia e isso é inevitável em se tratando de uma editoria que envolve competições e rivalidades – vide o nosso Grenal.

Não conheço cronista esportivo que não seja apaixonado por seu trabalho e aos que ficaram e aos que virão meu reconhecimento e um abraço parceiro. Que não falte adrenalina  pra vocês!




terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A Festa da Firma e uma pesquisa de enrubescer


* Editado a partir do original de 19/12/2014 e publicado em 03/12/2018 emColetiva.net 

Fim de ano é um período infernal para frequentar restaurantes. Nos almoços, nos jantares ou num simples happy é inevitável enfrentar nas mesas ao lado alguma confraternização de fim de ano da firma ou a própria festa da firma.  Observador atento que sou, sei distinguir logo a confraternização, um ritual mais ligeiro, do que seria a festa da firma, que exige uma produção mais requintada. Tanto assim que na festa as moças se apresentam invariavelmente em seus pretinhos básicos ou nas modernosas roupinhas com estampas da moda.  Todas de banho tomado, maquiagem  e cabelos caprichados, olhar do tipo “é hoje!” e sobraçando o embrulho com o presente do amigo secreto.  Sim, porque confraternização ou festa de firma que se preze tem que ter amigo secreto, com cerimônias de entrega plenas de algazarras – um mico para os mais austeros, entre os quais me incluo.  

E segue a fuzarca, em alguns casos interrompida pelo discurso do “Homem”, o chefão que banca a festa e vai agradecer aos “nossos colaboradores pela dedicação e a superação dos desafios”.  A frase é tão previsível como o sujeito inconveniente de fim de festa, que tomou umas a mais,  acha que é o gostosão do pedaço e passa a tirotear em todas as colegas.  Como sou rodado,  já vi de tudo nesses ocasiões.

A propósito de rodado, no último episódio do qual fui testemunha da série  “festa da firma” o tema recorrente entre as moçoilas, predominantes no caso,  era o resgate de um texto publicado tempos atrás na Folha de São Paulo com o sugestivo título “Você é uma mulher rodada?”. Confesso que fiquei enrubescido com o pouco que pude ouvir das quase senhoras, que eu arriscaria dizer, de conduta ilibada.

Pelo que entendi tratava-se de um questionário, resposta irônica e bem humorada ao machismo, com indagações do tipo “Já fez sexo no primeiro encontro?”, “Já fez sexo no primeiro encontro mais de uma vez?”,  “Não sabe quantos parceiros teve na vida?”, “Na verdade, nunca contou?”. Essas, eu diria,  eram as questões mais civilizadas. Não resisti,  agucei o ouvido e me arrependi porque as moças, quase senhoras, começaram a pegar pesado nos questionamentos que caracterizam a mulher rodada. Coisas do tipo: “Transou com estrangeiros na Copa?”, “Transou com colegas de trabalho na festa da firma?” “Já fez canguru perneta?”, além de uma que me deixou chocado – “Transou com anão?” -  e outra muito intrigadíssimo – “Já teve (ou tem) um PA e recomenda?”.

PA? O que indicaria a sigla? Quase abandonei minha posição de ouvidor passivo e fui perguntar  às ocupantes da mesa ao lado, mas recuei, eis que sou um tanto desprovido no quesito altura e minha presença poderia ser interpretada como o tal anão da transa, um anão oferecido que, se utilizado, resultaria em pontos extras rumo à mulher rodada.

Ao deixar o restaurante e a algaravia das moças, sai angustiado com o desconhecimento que persiste quanto ao significado de PA.  Não me arrisquei a dar qualquer outro significado a não ser  o verdadeiro e talvez seja condenado a ficar eternamente com essa dúvida, castigo para deixar de ser abelhudo. E aí, veio a surpresa final, quando uma das moças, quase senhora, disparou em alto e bom som:

- Tirando transar com anão, me enquadro em todas as outras questões!

Apressei o passo para me afastar logo do local. Vamos que a moça estivesse interessada em completar a série, convocando um anão...


sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A propósito do Black Friday: Farofada na Fila


* Está aberta a temporada das grandes promoções, por isso reedito esse texto de 2009, mas tão atual como nunca.

Brasileiro adora uma fila, até mesmo para praguejar contra ela. Observador da cena que sou, ficava pasmo quando se aproximava o Carnaval e constatava as imensas filas que se formavam, as vésperas do início da venda de ingressos para os desfiles. É verdade que as filas carnavalescas acabaram, porque o Carnaval de Porto Alegre acabou. Antes, era uma farofada de cadeiras de praias, cozinhas e camas improvisadas, chimarrão e trago circulando de mão em mão, tudo isso pelo privilégio de serem os primeiros a adquirir os ingressos. Famílias inteiras, inclusive com bebês de colo, participavam da maratona tresnoitada, onde não faltavam garotas assanhadinhas e rapazes ativos e operantes. Tudo inútil. Sobravam ingressos, assim que a fila dos apressadinhos se dissipava.

Esse comportamento que precede os grandes eventos sempre me intrigou. Essa gente não trabalha? Se é ociosa, de onde vem a grana para os desejados ingressos? Será que não existe nada mais interessante e produtivo para passar o tempo do que marcar espaço à espera da bilheteria abrir? E a higiene desse pessoal como é que é feita? Estava ruminando acerca dessas importantes indagações e dos sacrifícios a que se submetem esses vanguardeiros, quando me caiu a ficha: é que as emissoras de TV, cumprindo uma pauta pouco criativa, estão sempre presentes para captar imagens desses grupos. Aí é festa!

Observem as imagens: sempre há alguém dormindo ou se fazendo, mesmo que o sol já esteja a pino, outros repartindo refeições e bebidas das intermináveis garrafas térmicas e uma alegria artificial de quem está recebendo o justo reconhecimento dos 5 segundos de fama a que tem direito. Não foram escolhidos para o BBB, então só resta ser celebridade na fila. Podem conferir, as imagens são sempre as mesmas, como são as mesmas as óbvias perguntas dos repórteres. “Desde quando estão aqui?” Se for antes de show de artista pop não vai faltar cerveja e um rosário de sonoras identificando as cidades de origem

Foge a minha compreensão  aqueles atropelos nas lojas dos EUA e na Inglaterra  no início das liquidações. É um comportamento que depõe contra o gênero humano. O pior é que a moda está pegando aqui no Brasil e dia de abertura de liquidação nas lojas mais populares é precedida de farofadas nas filas, com as mesmas cadeiras de praia, as mesmas garrafas térmicas, eventualmente uma barraca, gente insone, mas cheia de energia para comprar o que nem sempre precisa, mas garantir uma eventual participação televisiva. Empurra daqui, empurra dali e daqui a pouco se sobressai o fortão, carregando nos ombros uma tv de plasma, ou o casal que tenta ajeitar o refrigerador e mais os filhos numa velha Brasília. E é sempre a mesma coisa.

Estou sendo demasiadamente cruel com os hábitos populares? Pode ser, mas se um dia me virem participando de uma farofada dessas, chamem a SAMU e me internem.

*Publicado originalmente em Coletiva.net, em 8/7/2009



segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Exemplo de resistência

* Publicado nesta data no Coletiva.net

Mesmo com o encolhimento de uns anos para cá, não é exagero afirmar que  a Feira do Livro é o maior acontecimento anual de Porto Alegre. O encolhimento, pela diminuição de barracas e concentração de todas  as atividades na Praça da Alfândega,  acho até que  foi benéfico para a Feira na medida em que facilitou a circulação e interação das pessoas.  De minha parte confesso  que gosto tanto da Feira que, se pudesse, passava todos os dias lá, o que ocorria quando trabalhava no Centro Histórico. Sempre dava um jeito de escapar até a praça  para esgravatar as caixas de sebos e olhar invejoso para as estantes cheias de livros e, melhor ainda, tomar um chope ali perto no fim da tarde,

Entretanto, nego peremptoriamente que tenha participado da primeira Feira, em 1955.O idealizador do evento foi o jornalista e depois vereador Say Marques, que era diretor do extinto Diário de Notícias, da rede Associada – a Globo da época. Na época, eu tinha cinco anos apenas. Na verdade, começam pelo visionário jornalista  as minhas afinidades com a Feira, uma vez que ele era amigo do meu pai, que o tratava reverentemente como “dr. Say Marques”;  depois, porque tive o privilégio de trabalhar com a filha dele, a competentíssima Rosana Orlandi, primeiro na TVE e mais tarde na RBS TV, onde produz o Galpão Criollo.

Porém, foi quando passei a trabalhar na também já extinta Folha da Tarde, em meados da década de 70 do século passado, que comecei a frequentar a Feira regularmente.  Da redação na Rua Caldas Junior à Feira era um pulo e não havia como ficar indiferente às barraquinhas instaladas ao longo da praça.  Lembro bem o primeiro livro que adquiri. Foi  O Príncipe, de Maquiavel, que ainda faz parte da minha modesta biblioteca e é consultado sempre que necessário,  esse verdadeiro manual da arte da política. Línguas ferinas e adversários invejosos insinuam que adquiri o livro errado, que estaria à procura de O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry e me “principitei" (sim, com direito a trocadilho) levando O Príncipe. Nego peremptoriamente de novo. Mais tarde também incorporei o Pequeno Príncipe ao meu acervo para que ficasse à disposição dos filhos. 

Desde aquela pioneira incursão, minha relação com a Feira se diversificou. De leitor passei a me envolver mais diretamente com a organização por conta das minhas atividades profissionais, seja na TVE, seja na Prefeitura de Porto  Alegre. Por fim, o envolvimento foi como autor, com direito a quatro sessões de autógrafos.

Em todas as formas de relação, a obsessão pela aquisição dos livros se mantém, embora ainda não tenha batido o recorde de cinco anos atrás quando levei para casa  mais de 30 livros, entre lançamentos e saldos. Este ano já adquiri Um Gato Que Se Chamava Rex, de Lucas Barroso (um exemplar para cada neta, Maria Clara e Rafaela),  Estrada, Meu Humor, do Jorge Estrada, uma coletânea de histórias e gafes da radiofonia, A Historia de Djalma  Beyer, escrito pelo filho, jornalista Márcio Beyer, sem contar o também biográfico Ayrton Patineti dos  Anjos, com a assinatura de Márcio Pinheiro e Roger  Lerina, lançado pouco  antes da  Feira. Recomendo todos, assim como a edição das charges de Sampaio, Ria Por Favor, organizada pela filha Maria Lucia Sampaio, obra distribuída  gratuitamente na barraca da Associação Riograndense  de Imprensa.

Vou revisitar a Feira para levar pelo menos mais duas obras: O Senador Acaba de Morrer, um retrato da carreira  do senador Pinheiro Machado por seu sobrinho-neto, José  Antonio Pinheiro Machado, também conhecido por Anonymus  Gourmet, e o novo romance da bela e  talentosa Letícia Wierzchowski, O Menino Que Comeu Uma Biblioteca, com autógrafos nesta terça-feira. Preciso  resgatar também Revolução Cidadã, legado deixado pelo queridíssimo Cezar Busatto. Além disso, fico na expectativa de mais dois lançamentos, extrafeira: Cavalos e Armas, terceiro romance, já em pré-venda, de Gustavo Machado, dono de um dos  melhores textos  que conheço, e o segundo livro do meu amigo da adolescência, Léo  Ustarroz, o  instigante  Resgate em Pamplona, que tive a honra  de prefaciar.


Ainda sobre a Feira, é importante enfatizar que ela  transcende a crise do mercado livreiro e o crescente descaso que o poder publico passou a dedicar aos eventos culturais, inclusive em Porto Alegre, que se orgulhava da sua efervescência cultural. E já que o termo está na moda, resistência de verdade é com a Feira do Livro. Longa vida a ela.



segunda-feira, 29 de outubro de 2018

O dia seguinte


* Publicado originalmente no Coletiva.net em 29/11/2018

- “Mais uma semana e a gente virava o jogo!”
- “Perdemos para as fake news.”
- “Os  whatsapps deles foram mais eficientes.”
-  “Ah,  se fosse o Lula!”
- “Esperamos muito tempo pelo Lula.”
-  “O Haddad apelou demais para  o Lula.”
- “ Haddad não devia ter se afastado do Lula no segundo turno.”
- “Faltou fazer o mea  culpa.” 
- “Mea culpa é para  os fracos.”
- “A Manoela na missa foi gol contra.”
- “A Manoela  devia ter aparecido mais. Apelo aos jovens, entende?!”
-  “Não dá pra depender só do  Nordeste.”
- “Pô, a diferença no Nordeste tinha que ser maior!”
- “ Esperava mais do Ciro e da Marina.”
- “Este Ciro é um #$%*§!”
- “A Marina é  uma mosca morta.”
- “Só o Boulos é de fé.”
- “O Boulos não acrescentou nada. Teve menos voto que o Daciolo. ”
- “O FHC podia ter ajudado. Afinal, é um democrata!”
-  “Pedir voto pros  coxinhas é brabo!”
- “ Mano  Brown, Cid Gomes, baitas traíras.”
- “A Globo, o Bonner, a Regina  Duarte...”
- “A Record, o bispo, o  Mendelsky...”
- “A Band, o  Boechat, o Macaco Simão...”
- “A Veja, a IstoÉ, o  Estadão...”
- “O STF, o TSE, o Sérgio Moro...”
- “O Adnet  podia ter caprichado  mais no Haddad.”
- “ O Trump, a CIA, a Ku Klux Klan  e nós com  o Maduro, o Mujica e a OEA...”
- “ Nem o papa, nem o Roger Waters  ajudaram.”
- “Não imaginava que tinha tanto fascista no Brasil.”
- “ Agora eles vão ver o que é oposição!”
Senhoras e senhores, o terceiro turno já começou.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Verdades e bobagens eleitorais


* Publicado originalmente no Coletiva.net em 22/10/2018
Nem 13 nem 17, mas a soma de ambos em  verdades  e bobagens desta campanha eleitoral, que elenquei após muita  reflexão #sqn:

1. Nunca antes se discutiu tanto sobre política no país

2. Campanha para valer é a do segundo turno. Primeiro turno é só aquecimento.

3. Não  adianta acordo entre caciques  quando o eleitor decide o contrário

4. Lula será  o grande eleitor no final das contas: para o Haddad e o Bolsonaro.

5 As Fake News também foram um grande cabo eleitoral

6. As mídias tradicionais  perderam força, assim como tradicionais candidatos.

7. Os partidos  foram os grandes derrotados desta eleição.

8 Os institutos de pesquisa mantiveram o padrão: erraram demais.

9. E a mídia vai sair bem chamuscada.

10. Os eleitores defecaram e andaram para a opinião das celebridades.

11. Os eleitores se lixaram para as propostas de governo. E os  candidatos  também.

12.Homofobia, racismo, misoginia, religião, alguns dos temas mais relevantes debatidos na campanha.

13.Agressividade, o mais forte e inútil argumento eleitoral.

14. Fogo amigo foi outro adversário do Haddad.

15.  Os irmãos Ciro e Cid vão acabar criando o PCR,  Partido dos Cearaenses  Ressentidos.

16. Os cards sobre a Dilma foram os melhores das redes sociais.

17. As urnas fizeram o que Lewandowsky protelou: cassaram Dilma.

18 .O que teve de apoio “crítico”...

19. Será  alta a participação dos eleitores  tipo “não sou..., mas vou votar no...”

20.Pela persistência, Eymael merecia um mandato,

21. Cabo Daciolo, o Enéas (“Meu nome é Enéeeas!”) contemporâneo.

22. Cláusula de barreira pra valer é a exigência da Ficha Limpa.

23.Urnas eletrônicas: nunca antes tão contestadas, mas nada provado.

24. O Temer estava quietinho, esquecido, aí a PF...

25. Alguém sabe desdobrar as siglas PSL, PRTB, Pros?

26. Bolsonaro foi uma mega-sena eleitoral para o PSL

27. A campanha eleitoral virou uma Caixa de Pandora.

28. A eleição confirmou que a reforma politica é a mais urgente!

29. Independente  de quem ganhar a eleição, o pior vem depois.

30. O WhatsApp será como o estagiário: vai levar a culpa.

Apesar de tudo, o Brasil que já sobreviveu ao Collor, ao Sarney, à Dilma/Temer, vai sobreviver de novo.


terça-feira, 16 de outubro de 2018

Assédio reverso


* Publicado originalmente nesta data no Coletiva.net

Sou um recontador de histórias. Ouço na mesa ao  lado, acrescento uns adjetivos  e advérbios e repasso adiante.  É o caso  a  seguir, que trata de um tema que está na ordem do dia: o repúdio ao assédio em todas  as suas formas. O relator original da situação, que classifico como escabrosa, foi meu amigo Maurício, aqui identificado com nome trocado, por razões óbvias.

Certo dia ele interrompeu   minha labuta no computador e, quase sussurrando, me revelou a enorme angustia que o atormentava. Era sobre assédio e ele se dizia a vítima.

Maurício é um quarentão bem apanhado e bem casado,  homem temente a deus e  realizado pessoal e profissionalmente. Até diria que é  uma reserva moral nestes tempos tão conturbados e contraditórios. Pois, são manifestações destes tempos que angustiam o amigo, que passou a receber mensagens pra lá de despudoradas de moças e senhoras tidas como respeitáveis.  Não uma, nem duas mensagens. Várias.  Mensagens carregadas de erotismo,  convites safados, propostas indecorosas, declarações com palavreado de fazer inveja àquele ex-presidenciável flagrado em negociações escusas na Lava Jato.   E, pasmem, mensagens ilustradas por muitos nudes, inclusive das partes pudendas.

Foi demais para o nosso amigo que, diferente do Chico Buarque em sua nova música, não está disposto a abandonar o lar para uma aventura fugaz. A perturbação  levou-o a procurar uma explicação para esse desordenamento nas relações entre homens  e mulheres.

Maurício jura que não incentiva as assediadoras, por isso ganha estatura moral para se posicionar sobre o tema. Ele entende que a falta de pudor, a ausência de valores, o vale tudo nas relações começou com o falso, segundo ele,  empoderamento das mulheres. O desabafo foi contundente:
- É esse tal empoderamento, que começou com a  queima de soutiens e chegou às peladonas em protestos. Depois que acabaram com  o namoro  só as quartas feiras, sob severa vigilância dos pais, aí liberou geral e até sexo no primeiro encontro já estão praticando. Uma pouca vergonha.

Ao ouvir a desdita do amigo confesso que também me perturbei, eu que, como ele, eleva o gênero feminino à condição de quase divindade.  Mas também fiquei ligeiramente invejoso, uma vez que só recebo mensagens masculinas, flautas futebolísticas e besteirol da política.

Parece que o Maurício leu meu pensamento e, veemente como candidato em horário eleitoral, sentenciou para a  pequena plateia  que se  formara após o desabafo dele:

- O que o nosso país está precisando mesmo é de uma reforma moral! Chega de empodredamento, - e mostrou satisfação com a corruptela que acabara de inventar.

Admito que tenho receio de concordar com as teses do Maurício para não ser alvo de caldáveis iradas que, sim, existem, embora em número reduzido. Temo ser vítima de um masculinicídio,  que seria de responsabilidade “das tais redes sociais, Tinder, Par Perfeito  e outras,  que banalizaram as relações e onde as pessoas ficam se oferecendo umas  às  outras, provocando traições e conflitos”, -  segundo denunciou o parceiro, revelando um suspeito  conhecimento sobre as redes acusadas.

A propósito, questionei outro amigo da roda  se ele frequentava Tinder e  similares  e a resposta foi pronta e direta.

- Claro que não, imagina se encontro o perfil da minha mulher ali!

Argumentei que não se preocupasse, pois, como no caso dos traídos, “são coisas que colocam na nossa cabeça”, para usar uma  besteira corrente sobre os efeitos  da infidelidade feminina.  A réplica dele foi mais surpreendente:

- O pior corno é o que quer saber.

Foi então que me recolhi a um silencio obsequioso e fui buscar guarida nas  redes sociais mais sérias para acompanhar os candentes debates entre petistas e bolsonaristas. Olha, só faltaram os nudes para ficarem tão obscenos quanto as mensagens recebidas  pelo meu  amigo. Que tempos vivemos!

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O fenômeno Bolsonaro


* Publicado nesta data no Coletiva.net

Escrevo esta coluna antes de saber o resultado das urnas no domingo. As conclusões que seguem independem do resultado eleitoral, por isso afirmo, sem hesitar, que Jair Bolsonaro é o maior fenômeno eleitoral das últimas décadas. Um fenômeno só comparável a Donald Trump, com mérito maior do brasileiro, que não conta com a poderosa estrutura que o norte americano tinha à disposição.

Esse é  um dos pontos, entre outros,  que fazem do ex-capitão o fenômeno constatado e que surpreendeu os especialistas:  tempo reduzido no horário eleitoral, um partido  nanico, coligado a  outro nanico,  carreira e biografia nebulosas, uma campanha que beira o amadorismo, sem contar as declarações desastrosas dele e do seu vice, e o bate cabeça  dos desmentidos.  

Ao conjunto de fragilidades deve ser acrescentado mais: passou quase todo o primeiro turno hospitalizado, enfrentou acusações de toda a ordem, hostilidade de boa parte da mídia e a posição contrária de vários  segmentos, com destaque para as mulheres e o pessoal LGTB; não é um grande orador, nem faz o gênero  carismático, não tem padrinho forte como Haddad, nem ostenta experiencia administrativa como um Alckmin ou um Ciro e não tem candidatos  a governador na maioria  dos estados ( liderava com folga em 18 dos 27); não se conhece uma só proposta dele, a não ser  a de liberar armas para todos. Ou seja, Bolsonaro  tinha tudo para ser um Boulos ou um Eymael qualquer ou, pior ainda, baixar de patente e virar um Cabo Daciolo,

Pois, ainda assim a candidatura dele não só resistiu na liderança com ampliou a vantagem na campanha presidencial, superando representantes de forças políticas de peso e tradição, como PT, PSDB, MDB e todo os partidos do Centrão.

Vale esclarecer que não estou fazendo uma adesão à candidatura dele, mas sou obrigado reconhecer que ele adquiriu uma estatura que seu retrospecto político e pessoal não indicavam. Então, como explicar esse fenômeno? A resposta simplista é que a atual campanha está mais caracterizada pelo voto contra do que a favor e Bolsonaro representa, como ninguém, o sentimento antipetista.  Na realidade – e nem estou sendo original -, este Bolsonoro que aí está é cria do PT, do “nós contra eles”, da apropriação indiscriminada do Estado e da corrupção em todos os níveis, que levou seus principais líderes para  a cadeia.  Só que é uma verdade parcial, porque Alckimin é mais declaradamente antipetista, assim como Álvaro Dias e mesmo Ciro, que fustiga o PT sempre que provocado. No entanto, todos eles patinam nas pesquisas e ficaram longe dos líderes.

Bolsonaro representaria também o voto dos menos instruídos – e menos esclarecidos - e majoritariamente dos homens. Duas falácias: as pesquisas da reta final do primeiro turno mostram o crescimento da candidatura entre as mulheres, apesar do movimento EleNão – ou por causa dele – e entre os eleitores mais ricos e com melhor nível de instrução, onde já liderava. E assim a onda Bolsonaro ganhou impulso, canalizando o conservadorismo que habita, em escala crescente, entre os brasileiros.

A verdade é que nenhum candidato incorporou de maneira mais eficaz o figurino do candidato que é “contra tudo isso que está aí”, um pacote que inclui o PT e seus satélites, o governo Temer, os tucanos mais emplumados, a agitação dos movimentos sociais e a classe política em geral.  Além disso, encarna a representação de uma instituição com reconhecida credibilidade, as Forças Armadas, reforçada pela presença do general Mourão como vice, uma forma de mostrar que é o mais preparado para dar resposta à grave questão da segurança, a que mais preocupa a população. Nesse contexto, é avaliado pelos seus seguidores como o mais apto a garantir a lei e a ordem. Resiliente, as bobagens que prega soam como manifestações de sua autenticidade e reforçam a imagem do personagem que representa. Claro que cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e analistas da mídia devem ter explicações mais científicas e aprofundadas sobre o fenômeno do que as rasas avaliações deste modesto observador de cenários.

Entretanto, firmo posição:  independente do resultado do segundo turno, Bolsonaro já  pode se considerar um vencedor nesta eleição.  O resultado final, porém, vai mostrar se ele veio para fazer história como o novo presidente da República  ou se vai ficar na memória como mais um Cacareco*, que canalizou os votos de protesto mas não se realizou como líder político de projeção.

*Cacareco era um rinoceronte do zoológico do Rio emprestado para o zoo de São Paulo que nas eleições municipais de 1959 recebeu cerca de 100 mil votos, tornando-se o ”candidato” mais votado naquela  eleição. Foi um dos casos mais famosos de voto de protesto  da história politica brasileira.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Um ministério notável


* Publicado nesta data no Coletiva.net 

Enquanto a maioria dos candidatos a cargos majoritários promete diminuir o número de secretarias e ministérios, eu empreenderia uma campanha na contramão desse encolhimento demagógico e oportunista. E criaria um conjunto de novas estruturas estatais, pois identifico importantes áreas desassistidas ou sem controle pelo poder público. Assumiria, porém, o compromisso de buscar para comandá-las os quadros mais capacitados, profissionais de reconhecido saber, um time de notáveis, como o Grêmio.

Daria prioridade ao Ministério da Gastronomia, da Enologia e do Lúpulo, para qualificar ainda mais a boa mesa tupiniquim, com a garantia de que as iguarias  seriam corretamente harmonizadas com a carta de vinhos. Haveria um departamento exclusivo para cervejas, sendo terminantemente proibidas licenças de fabricação para as de trigo, de banana, de chocolate e, especialmente, a de erva-mate. Convidaria para assumir esse ministério o Rodrigo Hilbert, que me parece ter um perfil adequado ao cargo, além do que a primeira dama da pasta poderia ser a mestra de cerimônia dos eventos ministeriais. Um luxo. Para o departamento de Veganos cogitaria a irmã da Preta Gil, a Bela Gil e suas receitas saudáveis.
Já o Ministério do VAR seria criado para dar uma resposta à questão transcendental da arbitragem esportiva, que tanto aflige os brasileiros e tantas polêmicas provoca, com alto potencial de geração de conflitos e desordens. Portanto, trata-se de assunto sério, de coesão social e segurança nacional, que não pode ficar sob a responsabilidade daqueles incompetentes da CBF. A ação desse ministério começaria com o futebol e seria estendida a outros esportes e jogos, inclusive bocha, bolão, truco e cancha reta. Para dirigir a pasta será convidado Arnaldo Cesar Coelho, que já anunciou o desejo de se aposentar da Globo. Galvão Bueno nem para a posse será convidado.
O Ministério das Redes Sociais virá para regular a zorra em que se transformaram essas manifestações, mas pode ser substituído por uma empresa pública, a Brasredes, que vai atuar com severidade para coibir abusos, desaforos, assédios, fake news, pedidos de correntes, fotos de pets e de comilanças. Serão vedadas expressões como 'bora lá', 'aí é que me refiro', os KKKKs, Hahahas, e falsidades tipo 'linda!', 'amo muito!' e recados que ninguém entende. Flautas esportivas serão permitidas e até incentivadas, afinal, é preciso dar alegria ao povo. Em princípio, pensei para liderar esse importante ministério uma parente que entende tudo de redes sociais e se move por rígidos padrões éticos, mas não faltaria quem me acusasse de nepotismo, por isso, a vaga ainda está em aberto.
O Ministério da Imprevidência vai assumir todos os problemas que emperram o Ministério da Previdência, inclusive o pagamento de pensões indevidas e aposentadorias acima do teto, e, assim, permitir que este cumpra seu papel de garantir uma aposentadoria digna aos brasileiros. Difícil vai ser encontrar um imprevidente para assumir o novo ministério.
Por fim, será criado o Ministério das Utopias, entregue a um dos atuais candidatos, que prometem o paraíso na terra sem explicar como chegar lá. O ministro terá toda a liberdade para fantasiar projetos e projetar fantasias, nada que se viabilize, mas mantendo-se entretido, sem atrapalhar as outras ações governamentais. Reconheço que o Lula já tentou algo semelhante com o filósofo Mangabeira Unger - que se apresentava também como teórico social - e a então Secretaria de Assuntos Estratégicos. Era erudição demais para o ex-presidente e a tal secretaria foi extinta.
O projeto todo de ampliação do gabinete ministerial é ambicioso, só falta um partido corajoso abraçá-lo, de preferência, um radical de centro que banque uma candidatura inovadora.
Em tempo, antes que me interpretem mal: é brincadeira, gente, se bem que perto de algumas propostas que ouvi na atual campanha, as besteiras aqui sugeridas nem são tão risíveis assim.
Pensem nisso quando forem votar no próximo domingo.