quinta-feira, 31 de julho de 2014

O fingidor

Comecei a trabalhar aos 17 anos e lá se vão mais de 45 anos. Cruzes,  agora que fiz as contas é que vi como o tempo passou. Minha inquietude me levou a sempre buscar novos horizontes, novos aprendizados (o pessoal gosta de falar em novos desafios) e com isso nunca fiz carreira por onde passei e foram tantos os empregadores que tenho até medo de contabilizar todos eles.

As exceções talvez fiquem por conta das passagens pelas rádios Guaíba e Gaúcha, sete anos e um pouco em cada uma. O rádio sempre foi minha paixão, daí porque tenha ancorado mais nesses dois empregos, ainda mais que lidava com o esporte, outra paixão.  Apesar de ser recordistas de entradas e saídas da RBS – cinco vezes, saindo sempre por iniciativa própria – nunca recebi o reloginho e o troféu entregues pela empresa aos jubilados, que começam a ser agraciados com 10 anos de firma.  Isso não é motivo de frustração, nem de mágoa com a empresa.  Na verdade, sempre me orgulhei das empresas onde trabalhei, a maioria do ramo da comunicação.  E quando a relação não estava a contento, picava a mula.

Trabalho é meio de sustentação, mas é também caminho para realização profissional, é aprendizado permanente e forma de convivência, de novos e duradouros relacionamentos, que, afinal, é o que fica e o que se leva dessa vida.


Por isso é tão difícil a despedida, mesmo para quem já passou por esse processo inúmeras vezes.  Pode não parecer, mas sou uma pessoa emotiva, contida mas emotiva. E cada despedida é um suplício porque exige desapego, deixar para trás relações e afetividades que talvez não se repitam.  Eu devia estar acostumado, mas não adianta. É preciso sair, mas querer ficar  e essa esquizofrenia é torturante, mesmo para a pessoa mais calejada. Fico moído de emoção.  Pelo menos, com o tempo,  tenho conseguido fingir melhor, a exemplo do poeta descrito por Pessoa, “um fingidor; finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. 

Para que não pensem que tem só melancolia nas despedidas, deixem que lhes diga que graças ao mais recente episódio minha adega se renovou em qualidade e quantidade. Obrigado aos que assim me mimosearem. O sagu aqui de casa está garantido por um bom tempo.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Eu só queria saber o saldo - parte 2

No sábado ao tentar conferir meu saldo fui informado pelo terminal eletrônico que meu cartão da Caixa estava cancelado, sem ter pedido essa providencia e sem ser avisado pela "instituição". Depois de oito ligações para números diversos, no derradeiro contato fui informado de que deveria procurar a minha agencia. Foi o que fiz na manhã de segunda-feira,. 28,  recebendo duas INACREDITÁVEIS explicações do atendente:1) a Caixa emitiu novos cartões com chip (ótimo!) e sem avisar ou esperar que o novo cartão chegasse aos clientes cancelou o cartão que seria substituído (desrespeito!). "Infelizmente foi o que aconteceu", justificou o atendente envergonhado; 2) para movimentar minha conta corrente ou passo pelo tormento dos caixas com suas longas esperas ou transferem meus parcos recursos para uma conta poupança até que chegue o novo cartão. "Infelizmente é o que podemos fazer", justificou o atendente ainda mais envergonhado. Alô Banco Central, dá uma olhada nas trapalhadas da Caixa. Alô governo federal, esse pessoal está jogando contra.

domingo, 27 de julho de 2014

Eu só queria saber o saldo

O que seria uma simples consulta ao saldo transformou-se num desses pesadelos kafkianos que atormentam nosso cotidiano. Rimou e é verdade.  Aconteceu no sábado quando procurei um posto de autoatendimento da Caixa para conferir o saldo da conta corrente e a máquina informou que o cartão estava cancelado.  Como os terminais da CEF não são os mais confiáveis troquei de máquina duas vezes o veredito se repetiu: “Cartão  cancelado”.  Como assim, cancelado? Não pedi e não fui informado,  se a iniciativa foi do banco.

Imediatamente liguei o 0800 do SAC indicado atrás do cartão.  Começava, então, a maratona de contatos com as centrais de atendimento da Caixa e meu calvário no fim de semana. No primeiro contato, depois de digitar uma série de números (número do cartão, ano e dia do nascimento, e os números que direcionavam para os serviços pretendidos), ouvir quanto devo na próxima fatura do cartão de crédito (não é muito), qual o meu saldo (por sinal, bem razoável se considerarmos o alto limite  que me oferecem)  chego ao atendente, após ouvir a informação de que a conversa será gravada “para sua segurança”, ou seja, tudo o que estou relatando deve estar armazenado num servidor – se bem que a Caixa prima pela incompetência e fica minha dúvida quanto ao arquivamento. Eis que chega o atendente:

- Central Caixa, Jossiano. Com quem eu falo?*

Informo o nome completo e passo por um rápido interrogatório: CPF e nome da mãe (começo a me irritar por envolveram a saudosa dona Thélia neste processo),  relato o ocorrido (“Eu só queria conferir o saldo...”) e levo o primeiro drible:

- Senhor, aqui é o Serviço de Atendimento ao Cliente. Não tratamos dessa questão aqui. O senhor está falando de uma capital ou outra cidade? Para Capital ligue 4001.4425. Para essa ligação seu protocolo é... Tenha um bom dia.

No número indicado foram três ligações e novamente a maratona de digitações de números até que uma moça atendesse, depois de três ligações derrubadas intempestivamente na última etapa – a de falar com a atendente. Numa das ligações foi só eu alterar o tom de voz, já irritado, para ouvir o tutututu (está tudo registrado no meu celular). Quando consigo falar com  moça, novamente tenho que informar o CPF e o nome completo da dona Thélia para que a conversa siga adiante, mas não muito porque a atendente logo informa, com aquela vozinha anasalada:

- Senhor,  aqui só tratamos de cartões de crédito. Com seu cartão de crédito está tudo bem. Para cartões de débito o senhor deve ligar para 3004.1105 se estiver falando de uma Capital...

- Mas moça, porque não me informaram  já na primeira vez que  o número era outro.  Me fizeram perder tempo. Qual o número do protocolo desta ligação?

- Senhor,  não temos número de protocolo para essa ligação.  E não podemos resolver aqui o seu problema.  O senhor deve ligar para...

E por assim dizer me manda pras cucuias. E lá vou eu para mais um enfrentamento com os monstros invisíveis das centrais de atendimento.

Foram duas ligações para o 3004.1105 (que não consta entre os fones para contato atrás do cartão),  mais 29 números digitados porque agora pedem  os códigos da agencia e da conta e, ainda,  a minha senha, além do zero, que é a última opção para chegar a atendente. No meio desse entrevero fico sabendo novamente do meu saldo, recomendações  sobe segurança e novas ofertas de serviço, até ouvir:

- Cartões Caixa, Kellen. Com quem eu falo?

Informo, dou o número do CPF, repito o nome da saudosa dona Thélia, explico o que ocorreu, tentando controlar a irritação, e sou surpreendido com a resposta da Kellen:

- Senhor, este problema deve ser resolvido na sua agencia, com o gerente da sua conta.

- Isso significa que vou passar o fim de semana sem poder usar o cartão de débito.

- Senhor, este problema deve ser tratado diretamente na sua agencia.

- Mas moça, como é que eu faço...

- Senhor, este problema deve ser tratado diretamente na sua agencia.

Resumo da ópera: foram oito ligações no total para três números diferentes e entre 25 a 30 números digitados em cada ligação o que totaliza algo como  mais de 200 digitações, para, ao fim e ao cabo, ficar  sem usar o cartão, além da perda de  um tempo precioso na segunda-feira para explicar ao vivo e a cores (“Eu só queria saber o saldo...”)  e tentar liberar meu cartão porque as contas não esperam.

Não é o primeiro transtorno que a Caixa me apronta. Vou poupá-los de mais chateações bancárias. Até aqui suportei resignado, mas agora deu. Deu pra ti, Caixa – o pior banco do mundo.

* Nomes dos atendentes fictícios porque eles também são vítimas dessa prepotência do sistema financeiro.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Dia dos Avós

Vem aí o Dia dos Avós.  Será no próximo sábado e eu que não escondo minhas contrariedades com essas datas comemorativas forçadas pelo comércio fico na expectativa  de ser lembrado pela Maria Clara e a Rafaela.  Ainda mais no sábado que é dia de netas e algazarras na morada da Osmar Meletti.   

As pequenas aproveitam a tolerância vóterna (existe o termo?) e pintam e bordam na mesma intensidade em que disputam espaços e atenções, especialmente da vó Nenena.  O vô aqui, como vocês sabem, é mais exigente e rígido quanto ao comportamento das meninas... só que não.

Sou um carente da riqueza dessa relação afetiva, pois perdi cedo meus avós (um deles inclusive virou nome de cidade),  mas meus filhos tiveram  melhor sorte, pelo menos com suas nonas, as carismáticas donas Thélia e Alba, e ainda puderem se divertir com as manias do cel.Dastro,  avô paterno.

Os netos nos renovam e ainda temos a vantagem de poder mimá-los e mal educá-los sem culpa. É o que faço cada vez que encontro minhas pequenas, torcendo para que elas cresçam a ponto de acarinhar o vô com algum mimo nas datas futuras a nós dedicadas. Pode ser um vinho fino, um relógio de marca, uma camisa azul de grife, um celular turbinado, coisinhas simples mas que demonstrem todo o afeto que sentem pelo seu amado avô.

Ao povo em geral comunico que neste sábado  abrirei exceção e estarei suscetível a receber cumprimentos e homenagens pelo Dia dos Avós

No Brasil e em Portugal comemora-se em 26 de julho, tendo sido esta data escolhida em razão da comemoração do dia de Santa Ana eSão Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo.A data da festa de São Joaquim sofreu várias alterações ao longo dos tempos. Inicialmente era celebrada no dia 20 de março, associada à de São José, tendo sido depois transferida para o dia 16 de agosto, para associar-lhe ao triunfo da filha na celebração da Assunção, no dia precedente.Em 1879, o papa Leão XIII, cujo nome de batismo era Gioacchino (versão italiana de Joaquim), estendeu sua festa a toda Igreja. Finalmente, o Papa Paulo VI associou num único dia, 26 de julho, a celebração dos pais de Maria Santíssima. (obrigado Wikipédia)

domingo, 20 de julho de 2014

A propósito do Dia do Amigo

*Publicado originalmente em 6/8/2010

Confesso que não tenho muito saco para essas datas comemorativas, tipo Dia das Mães, dos Pais e Dia da Criança. A partir do momento em que se tornaram mais um evento comercial do que um tributo aos homenageados, tais comemorações perderam sua dimensão afetiva. Nada contra o comércio, que precisa fazer a roda da economia andar, mas não abro mão de decidir se participo ou não da festa e com quê entusiasmo será minha adesão. 

Até porque novas datas comemorativas estão surgindo, todas com grande apelo emocional e sendo estimuladas pelo setor produtivo. O Dia dos Namorados já está consolidado, fazendo a alegria das floriculturas, dos restaurantes e dos motéis. O Dia da Mulher vai na mesma direção e já há quem advogue a criação do Dia do Homem, uma vez que outras opções já estão contempladas no Dia do Orgulho Gay.

Há um forte movimento para implantar o Dia do Amigo que, por enquanto, se resume ao envio de mensagens piegas entre aqueles que se julgam amigos do peito. Está pintando com força o Dia dos Avós e logo a meritória homenagem vai se transformar em obrigação de comprar presentes para os vovozinhos. Menos mal que posso ser beneficiário dessa obrigação, se bem que ainda vai levar algum tempo até que Maria Clara tenha discernimento para presentear seus avós queridos.

É preciso tomar cuidado com os exageros. Conheço o caso de marmanjos que até hoje recebem presentes pelo Dia da Criança. Observo também um esforço, inclusive de escolas, para introduzir entre nós o Halloween, o Dia das Bruxas, uma tradição anglo-saxônica que nada tem a ver com a nossa cultura. Só vou aderir se puder mandar um bouquet de espinhos para algumas bruxas que me atormentam no dia a dia.

E tem ainda essa forçação de barra para instituir o Dia da Sogra. Com todo o respeito à categoria, que nos legou nossas amadas parceiras, a figura da sogra ainda é estigmatizada e temo que, ao invés de homenagens, as respeitáveis senhoras sejam objeto de agravos de parte de genros e noras ingratos. Isso sem contar que podem surgir idéias como a criação do Dia dos Ex que pode englobar um naipe diversificado de figuras: ex-marido, ex-mulher, ex-sogra, ex-patrão, ex-amigo.

Antes que vire um ex-qualquer e para que não fique a impressão de que sou um rabugento em tempo integral, admito que estou ansioso pelo presente que vou ganhar dos meus filhinhos no Dia dos Pais. A dúvida é: chinelo ou pijama?




terça-feira, 15 de julho de 2014

MInhas razões

Para que não circulem versões fantasiosas estou deixando a Prefeitura de Porto Alegre por iniciativa própria e por razões que o prefeito Fortunati entendeu, sem que eu precisasse dar muitas explicações. Não estou doente, o que não quero é ficar doente. Costumo comparar o trabalho na prefeitura – acho que em todas as prefeituras - a um moedor de carne humana em permanente atividade, 24 horas por dia sete dias por semana. Não quero mais servir de antepasto para essa máquina infernal. Quero poder dormir tranquilo e acordar de manhã sem o sobressalto de saber quais os rolos e ronhas que enfrentarei no dia e de onde virão os ataques. Pela experiência acumulada sei bem como lidar com as pressões, o que me falta agora é saco para o imponderável ou para o deja vu dos rolos e ronhas. Espero sinceramente que o meu bom amigo Bastos, prestes a completar 80 anos, tenha mais paciência que eu. Energia não lhe falta. Aliás, temos mais em comum que a antiguidade, o gosto por eleições e a torcida pelo Grêmio. Acreditamos firmemente que a boa comunicação começa pelas boas relações e nisso ele é mestre. Minha única frustração com o Bastos é que sou um dos poucos jornalistas da cidade que não teve o privilégio de ser chefiado por ele. Bem vindo, Bastinhos, vem tranquilo que o terreno é fértil e os frutos serão bons e generosos. Quanto ao futuro, espero ansioso o telefone tocar oferecendo aquela maravilhosa proposta de trabalho, com pouco estresse e muita grana.   

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Copa da Enganação



A vexatória goleada de 7 x 1 para a Alemanha firmou minha convicção de que esta é a Copa das Contradições. Pelo  menos dois fatos reforçaram o que expressei em texto anterior. Primeiro: a defesa brasileira, considerada uma das melhores da Copa, levou sete gols em apenas um jogo, quase o mesmo número dos que sofremos nas últimas três copas até agora.

Segundo: o forte de Felipão tem sido a motivação de suas equipes, a mobilização, o apelo à energia de cada um e do conjunto,  e foi exatamente isso o que faltou naqueles 10 minutos de apagão da nossa seleção, quando os alemães passaram a empilhar gols. Acredito  que perderíamos de qualquer forma pela nossa fragilidade técnica, mas a goleada  é fruto da instabilidade emocional que acometeu a gurizada nacional, Fred à parte no tocante à juvenilidade.

O acontecido, o jogo da infâmia nacional, leva a outra conclusão. A Copa 2014 é a Copa dos Imprevistos. Ou alguém vai me dizer que previu que levaríamos sete gols mesmo que os adversários fossem os bem preparador alemães? Ou que ex-campeões mundiais como Espanha, França e Inglaterra voltariam para casa bem mais cedo?

Esses países, pelo menos, não foram submetidos ao vexame que talvez nunca esqueçamos.
E aí  acrescento outro significado para a o evento: Copa da Enganação, que vale mesmo é para a seleção brasileira, sobre a qual depositamos as nossas melhores esperanças.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Um enamorado na noite alucinada

Há dez anos, em 6 de julho, Porto Alegre foi sacudida por verdadeiras cenas de filme, com a fuga e a perseguição pela cidade do bando de Melara. Reproduzo aqui o texto publicado em outubro de 2012, relatando uma inacreditável historia paralela, essa uma historia de amor.

Impecáveis os textos de Celito de Grandi na série Boletim de Ocorrência, na ZH Dominical.  Jornalista talentoso que está se consagrando como escritor, Celito tem aprofundado, em formato de reportagem, alguns dos mais rumorosos casos policiais ocorridos por aqui. No último domingo, ele recuperou uma dos mais extraordinários acontecimentos vividos em Porto Alegre e que teve igualmente uma extraordinária cobertura jornalística pela Rádio Gaúcha.

Foi assim: no dia sete de julho de 1994, aconteceu uma rebelião no hospital penitenciário, que acabou marcando a vida de muitos gaúchos. Porto Alegre viveu 24 horas de terror com a fuga alucinada dos detentos, comandados por Dilonei Melara e libertados pelas autoridades sob a condição de pouparem os reféns. Tão logo deixaram a Penitenciária em três carros começou  uma perseguição não menos alucinada da Polícia, acompanhada de perto pela Imprensa em geral e pela rádio Gaúcha em especial, com seus melhores repórteres à época, entre eles Diego Casagrande, Oziris Marins e Felipe Vieira. O que aconteceu depois e o desfecho de todo o episódio está bem descrito pelo Celito na crônica de domingo. O que posso acrescentar é a forma como acompanhei o caso,  a partir de Dallas, onde funcionava o Centro Internacional de Rádio e TV da Copa do Mundo dos EUA e onde a Gaúcha tinha uma das suas bases.

A rebelião ocorreu numa sexta-feira e estendeu-se  por uma das noites mais frias de 1994, daí não ter provocado outras vítimas na passagem do comboio frenético de presidiários, policiais e jornalistas por algumas das principais ruas e avenidas da cidade. Devido ao horário, início da noite, estávamos mais mobilizados nos EUA do que na sede em Porto Alegre – era véspera do jogo Brasil x Holanda e toda a equipe da RBS aportara em  Dallas. Por isso,  foi o Pedro Ernesto, dentro do Show dos Esportes, quem começou ancorando a movimentação da reportagem. A impressionante movimentação da reportagem:  apesar dos riscos, a cada etapa da fuga em seguida surgia um repórter para dar o seu relato e acrescentar informações.
Os presidiários começaram a fuga pelo Partenon e seguiram para o Jardim Botânico e, como conhecia bem a região por ter morado durante  mais de 20 anos no Alto Petrópolis, passei a assoprar ao Pedro a localização do comboio. Até que um dos carros dos bandidos enveredou para a rua Ivo Corseuil e na esquina da Guararapes ocorreu um enfrentamento com a policia, resultando num cerrado tiroteio noite adentro na pacata rua.  Foi quando um dos reféns, o diretor do hospital penitenciário, Claudinei dos Santos, foi baleado com sequelas até hoje. Foi quando também caiu a ficha para mim. Meu pai, o coronel Dastro como era conhecido, morava na Ivo Corseuil e tinha por hábito, apesar da idade – mais de 70 anos – dar um passeio noturno. De imediato, graças a um sistema instalado pela engenharia da Gaúcha, disquei para a casa como se fizesse uma ligação local. Primeira ligação e nada. E eu virado numa pilha de nervos.  Segunda chamada e depois de vários toques,  finalmente o coronel Dastro atende e logo depois de me identificar, o velho soltou o verbo.

- Olha, tenho boas novidades. A Anita aceitou o namoro e vamos marcar a data do casamento.
O velho guerreiro, como Shakespeare, estava in Love. Viúvo, o coronel reencontrara uma namorada antiga e alguns anos mais jovens, fizera a corte, ela aceitara e agora celebravam a renovação do amor.

Enquanto isso, a meia quadra da morada da Ivo Corseuil, o tiroteio seguia firme e o nosso coronel nem aí. Devo ter pronunciado um palavrão quando interrompi o relato do enamorado.

- Pai,tu não tá ouvindo a confusão aí fora?
- Pois é, eu ouvi umas sirenes, mas não sei do que se trata. Como eu estava falando, a Anita...

Interrompi de novo e agora fui enérgico.
- Depois tu me conta do namoro. Agora fecha toda a casa e te protege que presidiários estão tiroteando com a polícia aí perto.

É incrível como eu, mais de 5 mil quilômetros distante dos acontecimentos, sabia mais do que quem estava ao lado do cenário do conflito. Mas essa é a realidade do que aconteceu naquela noite. Meu pequeno drama, pequeno diante da magnitude dos acontecimentos,  terminou na própria sexta-feira, depois que mobilizei os irmãos  em Porto Alegre para darem um apoio ao coronel apaixonado e desatento.
Mas a perseguição seguiu adiante, pela madrugada e toda a manhã de sábado. Os bandidos se refugiaram no hotel Plaza San Raphael e ficamos na expectativa para o término da confusão, quando mais não seja porque no início da tarde começaria o grande jogo Brasil x Holanda, pelas quartas de final da Copa.  Um prenúncio de que os astros começavam a se alinhar naquele sábado, 7 de julho de 1994, foi que meia hora antes da bola rolar os fugitivos decidiram se render, a transmissão da radio ocorreu normalmente e o Brasil  conquistou uma grande vitória por 3 x 2 sobre os holandeses.

Quanto ao nosso coronel Dastro, casou com sua Anita ainda em 1994 e viveram juntos, lépidos e faceiros, até 2010 quando o guerreiro se entregou, aos 95 anos.

domingo, 6 de julho de 2014

A Copa das Contradições

Se tivesse que estabelecer uma marca para a Copa 2014 eu diria que se trata da Copa das Contradições.  Assim mesmo, com C em caixa alta.  Na verdade, começou como a Copa da Desconfiança para se tornar a Copa da Superação e, na sequencia, a Copa do Sucesso.

É a Copa das Surpresas com seleções de pouca tradição apresentando um futebol evoluído e garantindo classificação na primeira etapa, enquanto ex-campeões mundiais voltavam para casa mais cedo.  Mas, contradição dentro da contradição, só os grandes ficaram para a reta final.
É a Copa dos grandes atacantes, mas quem mais está brilhando são os goleiros.  Na mesma linha, foi a Copa de muitos gols, pelo menos na primeira fase, mas a grande novidade tática foi o goleiro-linha da Alemanha, Manuel Neuer, já apelidado de A Muralha de Gelsenkirchen.  E a estratégia inovadora de escalar um goleiro apenas para a cobrança dos pênaltis, no caso da Holanda contra Costa Rica.
É a Copa do rigor quanto ao tempo suplementar de jogo, mas de muita complacência dos árbitros com a violência em campo. É a Copa do avanço tecnológico em apoio às arbitragens e prosaicamente a mesma em que o serviço de som não funcionou no Beira-Rio.

É a Copa em que torcedores de Grêmio e Inter sentaram lado a lado no estádio, sem hostilidades.
É a Copa das exigências e do excesso de zelo da Fifa, e, no entanto, quem comandava a fraude nos ingressos era um diretor da entidade.
É a Copa em que a saída de Neymar da Copa uniu  emocionalmente os brasileiros, enquanto ninguém se solidarizou com o coitado do Fred que está sem jogar desde a primeira partida.
Mas a mãe de todas as contradições ainda está por acontecer, se o Brasil conquistar o titulo com uma das piores seleções brasileiras já formadas. Só não gostaria que a copa das grandes disputas em campo fique conhecida como a copa da mordida do Luizito ou do tostão nas costas do Neymar.

 

terça-feira, 1 de julho de 2014

Quando vale a pena



Confesso que teve um momento que também fraquejei, achando que a Copa em Porto Alegre estava micada. Só que fiquei com minhas incertezas e minhas aflições para não contaminar o ambiente interno  que já estava mais do que pressionado. Pressionado por  toda a sorte de dificuldades a cada projeto que precisava sair do papel, pelo tempo curto que conspirava para que tudo saísse minimamente a contento e nos prazos previstos, na falta de recursos para cada nova demanda, no desanimo de alguns e na má vontade de outros.E eu fraquejei. 

Mas aí aconteceu o click. Nossas lideranças nos convocaram para o esforço final e  pouco a pouco, etapa a etapa, tirando energia do fundo da alma, negociando de todas as formas, motivando sempre, brigando quando necessário e muitas reuniões depois, o amálgama aconteceu. E a Copa se materializou, não apenas no campo e no estádio, mas principalmente fora dela, nas ruas, nas praças e parques, nos bares, com a cidade toda orgulhosa de receber os visitantes e mostrar a eles o que de melhor temos, que é a hospitalidade. E ficarmos mais orgulhosos ainda pelo reconhecimento dos estrangeiros.

Sou bastante rodado e já lanhado por outras jornadas, mas  ainda não perdi a capacidade de me emocionar com as emoções dos outros. E foi o que aconteceu nesta Copa, na minha cidade, com a minha gente.  Me emocionei com o depoimento do motorista da Carris que vai ter o que contar no futuro para seu filho de três meses, com a entrega de 12 horas de trabalho da servidora da saúde,  com a noção de grandeza do momento que estava vivendo do guarda municipal, com o azulzinho contador de histórias, com o gari celebridade vestido de holandês, com a moça faceira do Centro de Atendimento ao Turista. Tudo isso em uma matéria que elegi como referência para  o trabalho realizado até agora – Trabalhadores vestem a camisa da cidade pela Copa, acessível em www.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_noticia=170794&TRABALHADORES+VESTEM+A+CAMISA+DA+CIDADE+PELA+COPA – assinada por Melina Fernandes, com versão de Tv pela Denise Righão.

É nessa hora, quando a alma não é pequena como diz o poeta, que vale a pena. Isso não tem preço e, se me permitem. vai uma outra confissão: vou sentir saudades.