quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A outra

Reedidato a partir da publicação original de 28/12/2009 com o titulo "Discrição é tudo".


Ao contrário do que prega a clássica anedota da Sharon Stone náufraga, que recompensa seu Crusoé moderno, que depois pede a ela para se vestir de homem e dar uma volta pela ilha, etc. etc, etc., a discrição é o segredo para curtir um relacionamento transgressor por muito tempo. A recomendação vale especialmente se esse relacionamento for entre colegas. Em texto anterior (A Festa da firma) já nos debruçamos sobre as relações perigosas no ambiente de trabalho, mas omitimos a importante lição ensinada pelos mais credenciados especialistas no tema. Falha nossa.


Os mestres, moldados por muitas batalhas, são veementes na condenação do que poderíamos resumir por “se não for para espalhar, qual é a graça?”. Os homens têm obsessão em vitaminar seus currículos com histórias de grandes e pequenas conquistas. E para a maioria interessa mais a quantidade que a qualidade, embora as Sharon Stones da vida (você pode trocar por Angelina Jolie, Gisele Bundchen, uma ex-BBB ou outra celebridade qualquer) mereçam figurar na comissão de frente nas histórias contadas em mesas de bar. Só que não há tantas Sharon Stones disponíveis e muitas moças e senhoras só aparecem como tal por efeito de uns copos a mais na hora da conquista, ou no relato, ligeiramente exagerado, aos amigos. Todas ganham status de “verdadeiras Deusas” e na real, sabemos que não é bem assim. Mas não estamos aqui para julgar as atitudes dos parceiros ou fazer juízo de valor sobre as mulheres de suas vidas.

O que importa é que seja aprendida a lição de que a discrição é fundamental. O mínimo que aquele seu casinho no escritório espera é ser preservada diante do grupo de trabalho.

Há que ter cuidado com as armadilhas. Não faça como S., premiado publicitário que se apaixonou pela garota da Mídia e para agradar ao novo amor aceitou o convite para um cineminha, sexta-feira à noite, num movimentado shopping da cidade. Ele não contava que todo o pessoal da agência também estava com disposição para freqüentar o shopping naquela sexta-feira. O flagra foi inevitável e constrangedor, com sérios desdobramentos na vida profissional e familiar de ambos. Faltou dizer que os dois eram casados.

Um flagrante assim gera falatório, queima o seu filme e da sua acompanhante. Homem não dá muita importância a isso, acha que a fama de pegador é positiva, mas as mulheres detestam o ti-ti-ti e rejeitam ser vistas como “a outra”. Pessoa que já transitou por essas crônicas acrescenta que as mulheres até não se importam de serem a outra e ele chegou a essa conclusão quando foi abordado por uma conhecida com a seguinte sentença:

- Eu quero ser a outra da tua vida.

O exemplo pode legitimar a tese, mas ela precisa de adendo – desde que não seja identificada publicamente como a outra e fique tudo apenas entre as duas partes interessadas. Algumas mulheres até se expõe no limite do aceitável. A propósito, circulou recentemente no território livre da Internet, o acontecido com um executivo que estava de casamento marcado - e provavelmente não tratou da questão com a devida atenção - e foi surpreendido com uma faixa estampada em frente a sua casa, no dia do enlace.

- “Ricardo, Eu vou no seu casamento. Ass: A OUTRA”.

Assim mesmo: A OUTRA, tudo em caixa alta para saber com quem estavam lidando.Imaginem agora como foi a cerimônia para o pobre Ricardo. Quem tiver informações sobre desdobramentos do caso, por favor,  repasse ao ViaDutra.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Contagem regressiva

“ Agora faltam cinco dias...”

A frase enigmática postada no Facebook causou alvoroço entre os amigos. O que estaria acontecendo com ele, todos se questionavam. Alguma doença grave? Vai se demitir ? Viajar para longe? Abandonar o lar? Ganhar uma bolada de herança? As especulações se sucediam e se ampliavam diante do silêncio dele. No dia seguinte, outra frase para deixar o pessoal mais aturdido: “ Faltam só quatro...” E mais não acrescentou.

Houve quem apostasse que era uma jogada de marketing do amigo: “Sabe como é, jornalista, mente imaginativa, deve estar preparando alguma coisa bombástica”. Também é nessas situações que sempre surge uma ave de mau agouro: “Deve ser algo muito grave e a gente sem poder fazer nada, coitado”.

“Três dias...” foi a mensagem seguinte, mais lacônica e, ainda, instigantemente enigmática. Os amigos decidiram convocá-lo para um encontro e escolheram um boteco que costumavam freqüentar, mas ele não apareceu. A essa altura começaram a entrar em pânico. Não havia explicação para o estranho e preocupante comportamento dele.

O pânico aumentou com a mensagem do dia seguinte: “Dois...”, assim, uma única palavra, um número apenas, escondendo um grande enigma. Aí os amigos se deram conta de que conheciam muito pouco da vida privada dele, embora a convivência de anos. Ele nunca falara de sua família e vagamente se referia a um grupo que denominava de “o pessoal aquele”, sem entrar em outros detalhes. Ou seja, não tinham a quem apelar.

“Fim!” era a postagem que todos temiam. Agora estavam em contato permanente e revezavam-se nos telefonemas a ele, mas quem respondia era a caixa postal, que já nem era mais personalizada, como haviam se acostumado. Encurralados pela impotência, estavam preparados para o pior. Naquela noite nenhum deles conseguiu dormir, à espera do telefonema esclarecedor e certamente fatídico. Mas a vigília se mostrou inútil, aumentando a ansiedade dos amigos.

Na manhã seguinte, o perfil dele sumira do Facebook.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Espírito curador

Pensei que já tivesse visto de tudo, mas inventam cada uma  que vou te contar. Exemplo vem de pessoa amiga, moça culta e bem situada na vida, que aderiu a uma tal de “cirurgia dos espíritos”. Não tenho mais detalhes do que se trata, só sei que a pessoa precisa vestir uma camisola branca, espargir sal pelo quarto e acender velas para “chamar” o espírito que vai curar o mal que a aflige. O restante da família deve sair de casa, deixando a “paciente” a sós com o espírito.

A filha adolescente da moça, impressionada com a descrição do ritual, nem queria voltar para casa e deu uma trabalheira explicar para a menina porque a mãe receberia em trajes íntimos um estranho no quarto do casal, mesmo que fosse um espírito curador. A amiga jura que o negocio funciona, tanto assim que apareceu mais coradinha na firma, embora continue mandona como sempre.

Vai daí que um amigo comum sacou que o procedimento esotérico poderia ser uma boa desculpa para suas escapadelas. E começou a se queixar insistentemente de incômodas dores nas costas, dando a entender que poderia estar acometido de grave enfermidade. A família entrou em pânico diante do sofrimento do seu ente querido, mas o insensível deu seguimento a sua desfaçatez . Logo começou a invocar uma entidade chamada “O Mestre, O Sacerdote dos Espíritos”, indicado por um conhecido que tivera uma prima curada de doença crônica. “O Mestre é um bambambã espiritual”, assegurava o bandalho, para tranqüilizar a família.

Ato seguinte, marcou uma série de sessões, sempre as quartas e sábados à noite, com O Sacerdote dos Espíritos. Não, de jeito nenhum, deveria ser acompanhado por qualquer pessoa nas sessões, explicou. O encontro com a espiritualidade exigia isolamento e muita tranqüilidade: “Vou ser inundado de luz”, era a explicação. Até por isso, as sessões aconteceriam do outro lado da cidade, distante das influencias ambientais que poderiam perturbar a superior comunhão espiritual que levaria a cura dos males daquele corpo sofrido.

A verdade verdadeira é que até as pedras da rua sabiam que tudo não passava de uma farsa. Na real, a “entidade” era uma colega de trabalho, com mais atributos físicos do que espirituais. Mesmo assim fazia um bem danado ao nosso amigo, que chegava em casa depois das sessões e ia direto para cama, onde dormia como um anjo, sem que a família desconfiasse de nada. O cara era profissional, até nos detalhes, pois fazia questão de espalhar sal grosso pelo quarto do motel e queimar algumas velas. “Vamos que eu leve um flagra, preciso de elementos comprovatórios dos rituais, vamos que...”, justificava. Bandalho profissional, sem dúvida.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Vidro fumê

Existe muita controvérsia em relação ao vidro fumê, especialmente na sua aplicação tipo insulfilm para carros. Inclusive sei de casos em que o tal insulfilm interferiu em relacionamentos amorosos, como relatarei mais adiante.

Quem defende o escurecimento dos vidros dos automóveis alega questões de segurança e mesmo uma forma de burlar as leis de trânsito. Os assaltantes evitariam abordar carros com insulfilm, receosos das surpresas que poderiam encontrar entre os condutores e passageiros. Tenho minhas dúvidas porque depois de se apossar do veículo, talvez com apavorados passageiros dentro, o meliante teria a proteção dos vidros escurecidos para impedir o reconhecimento da sua ação criminosa.

Também não me associo aos que encontram no vidro fumê o salvo-conduto para burlar a lei, no caso usar e abusar do celular em pleno tráfego, sem ser flagrado. É uma conduta reprovável.

Bem que o Conselho Nacional de Trânsito tentou regulamentar o uso do insulfilm. A lei estipula que o pára-brisa precisa ter 75% de visibilidade, ou seja, a película pode escurecer no máximo 25%. Já para os vidros laterais dianteiros o limite é de 70% e, para os vidros laterais traseiros e traseiros, de 50%. De acordo com a lei, o motorista que desobedecer a esses limites pode ter o veículo apreendido, além de ser multado em R$ 125 e ainda perder 5 pontos na carteira. Como sempre, a aplicação da lei é que são elas e está faltando aprovar as normas para a medição do grau de visibilidade.

Enquanto a definição não vem, os que apostam no vidro fumê bem escurecido como uma forma de circular com discrição continuam por aí, impunemente, e até mereceriam uma análise à parte e mais aprofundada. O que pretendem esconder essas pessoas? A si próprio ou seus/suas acompanhantes? Que atos condenáveis estariam cometendo ao abrigo dos vidros escuros?

Cada caso é um caso e devem ter lá suas justificativas. Como o da moça que, temerosa de ser reconhecida no carro do parceiro casado, deu um ultimato ao sujeito: “Não saio mais contigo enquanto o carro não tiver vidro fumê. Fica expondo a pessoa, é muita bandeira!”

O rapaz vacilou, não cumpriu a exigência e acabou levando um pé na bunda. Agora, para evitar conflitos futuros, sempre que troca de carro providencia de imediato que venha com vidros escurecidos.

Essa ligação do vidro fumê com os relacionamentos amorosos tem lá sua importância, tanto assim que ganhou destaque em forma de letra e música. “Vidro Fumê” é interpretada por um tal de Ricky Vallen e fez parte da trilha sonora da novela Negócio da China, da Rede Globo. Os mais curiosos encontram o clipe de “Vidro Fumê” no YouTube. Para quem quer conhecer apenas a letra, aí vai:

Foi num telefonema anônimo


Uma voz disfarçada


Me falou que eu estava sendo traído


Eu nem quis acreditar


Pensei que era só um trote


Mas no fundo do meu peito


Já desconfiava dessa minha sorte


No calor de um momento


Na loucura do meu pensamento eu fui atrás


Em busca da verdade de um segredo


Senti o amor estremecer


Na hora em que eu te vi entrando num carro importado de vidro fumê


Quando você chegou em casa, eu te tratei naturalmente


E quando fiz amor contigo a noite inteira lentamente


Foi a canção da despedida


Foi, foi de verdade diferente


A última noite de amor da gente.

Preciosidade musical, não?! E o coitado do vidro fumê leva as culpas de tudo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Judas em forma de mulher, o retorno

Quando pensava que tinha me livrado de encontros incômodos e reveladores, eis que sou abordado, em plena Feira do Livro, por aquele amigo de outras jornadas, cuja desventura amorosa relatei aqui em “Judas em forma de mulher”. Só para relembrar, esse amigo estava descornado porque sua amada o havia rejeitado em nome da adesão a um movimento social. “Fui trocado por uma ideologia”, lamuriou-se no encontro anterior.

Agora a abordagem se deu quando eu esgravatava um balaio de saldos e ofertas, a procura de algum título interessante. A busca cessou imediatamente porque ele me pegou pelo braço, talvez temeroso de que eu fugasse do encontro, e abriu o verbo: “Aquele teu outro amigo viajou. Que história é essa de que a Andi é travesti? Donde ele tirou essa idéia?”.

Para melhor entendimento do caso, o outro amigo já se identificou. Trata-se do renomado fotógrafo Eurico Salis que expôs sua tese, ao ler o texto original e daí foi gerado um segundo texto intitulado “Judas em forma de mulher na versão de ES”, tudo socializado aqui no ViaDutra e propagandeado nas redes sociais.

Como meu amigo estava um tanto exaltado, saímos do burburinho da Feira e fomos tomar um expresso. À mesa, contraditei que havia feito uma pesquisa em busca da verdade e recebi informações de fontes confiáveis de que a versão do Eurico tinha fundamento. “Isso é invenção de alguns desafetos, invejosos porque namorava uma pessoa bem mais jovem do que eu”, justificou. Confesso que aquele tratamento de pessoa, ao invés de moça ou mulher, me incomodou, mas não registrei meu desconforto.

A conversa seguiu animadamente unilateral. Ele explicou que alguns atributos físicos da tal pessoa realmente coincidiam com o perfil que fora traçado: era do tipo mignon, ligeiramente estrábica (o termo que usou foi “vesguinha”, que considerei carinhoso), com alguns dentes mais pronunciados, mas assegurou que o conjunto da obra era interessante, sensual e...feminino. Daí a fazer novas revelações sobre o relacionamento foi um pulo. Contou as escapadas no horário do almoço, no fim da tarde e aos domingos pela manhã, das vezes em que foi buscá-la no intervalo das aulas na faculdade rumando direto para o motel, reprisou o episódio do tórrido encontro no exterior – em Londres, confidenciou -, e enveredou para histórias mais picantes de extravagâncias sexuais cometidas ao longo do relacionamento.

A riqueza de detalhes começou a me perturbar e antes que a minha imaginação fosse mais uma forma de traição ao meu amigo, atalhei: “E agora?”. (Isso nunca falha para dar uma pausa às conversas de uma só via).

“Agora estou noutra. A fila anda e já me enredei em outro relacionamento, só não posso contar mais detalhes porque as duas são colegas e, apesar de tudo, não quero causar constrangimentos às partes”, respondeu, como se estivesse praticando um ato de nobreza.

Ato de nobreza até por ali, pois em seguida passou a revelar todo o seu ressentimento em relação a ex-parceria. “Fico imaginando como ela será no futuro. Certamente uma pessoa amargurada, faminta de carinho, solitária com seus cães, porque esse é o destino dos que trocam o amor por uma ideologia”.

Com sinceridade, afirmo que fiquei com pena da moça, ou pessoa, depois desse vaticínio cruel. Aproveitei a deixa e me despedi, voltando a Feira, agora à procura do livro “A arte de amar”, de Erich Fromm. Talvez nele encontre explicações para os enredos amorosos que teimam em me envolver.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Tédio Criativo

Domenico De Masi é italiano, professor de Sociologia do Trabalho da Universidade La Sapienza de Roma e consagrou-se com a obra O Ócio Criativo, que trata de temas sobre a sociedade e o trabalho. Na obra, De Masi dá conta da sua insatisfação com o atual modelo social, propondo uma nova ordem, baseada na simultaneidade entre trabalho, estudo e lazer. Com todo o respeito ao professor, suspeito que ele deu uma embalagem acadêmica para justificar a vagabundagem.

É bem verdade que no momento não tenho muita autoridade para falar contra a vagabundagem, só que no meu caso preferi batizar a situação de período sabático. Além disso, sou obrigado a reconhecer que De Masi ganhou notoriedade com suas teses e agora percorre o mundo dando palestras e faturando alto. Só no Brasil esteve 18 vezes, acho que duas delas em Porto Alegre, onde recebeu honrarias dignas dos grandes intelectuais.

É isso o que está me faltando para ascender aos píncaros da glória da intelectualidade: uma tese diferente, não necessariamente comprovável, mas que venha ao encontro do que as pessoas querem ouvir e se iludir. Sonho em fazer parte da galeria dos grandes conferencistas, freqüentar os mais afamados ambientes acadêmicos, polemizar com o Juremir Machado e participar do Polêmica, com o Lauro Quadros, sempre defendendo a minha tese. Quem sabe até me convidam para palestrar no Fronteiras do Pensamento ou ser entrevistado no Encontros com o Professor. Bateria ponto no Sarau Elétrico, do Ocidente e circularia garboso pela Feira do Livro, mas adotaria uma postura blasé caso insinuassem que poderia ser o próximo Patrono. A HSM me contrataria a peso de ouro para apresentações em auditórios lotados. Te cuida, Kotler!

Talvez esteja próximo de atingir meu objetivo máximo nesta quadra da vida. Inspirado pelo companheiro Roberto D’Azevedo, começo a construir a Teoria Geral do Tédio Criativo. A experiência que vivencio no período sabático está me subsidiando com valiosos elementos para a formulação dos principais referenciais teóricos que embasarão o estudo a ser divulgado oportunamente. Pretendo também aprofundar as informações sobre o Nadismo, que é o tédio estruturado. Por enquanto, já posso antecipar as cinco premissas que dão sustentação ao Tédio Criativo:

1) O tédio leva a reflexão, que leva à criatividade.

2) O tédio deve ser desfrutado sem culpa e com criatividade

3) O tédio criativo não tem contra indicações

4) O tédio criativo é fator de inclusão social pois está ao alcance de todos.

5) O tédio criativo é a quarta onda

Agora vou precisar desdobrar essas premissas, rechear com alguns adjetivos e advérbios, inventar umas historinhas para ilustrar e escolher pelo menos uma situação engraçada para abrir as palestras que vou dar mundo afora. Preciso resolver outro dilema: se tudo der certo, como conciliar o tédio criativo com a pesada agenda que passarei a cumprir? Como coerência não é o meu forte, não vou permitir que um detalhezinho qualquer atrapalhe o projeto.

E, dessa forma, vou acabar dando razão ao meu amigo Joca, atualmente exilado em Brasília, que se referia assim a este promissor intelectual e a todos com os quais queria implicar: “Duas ou três frases de efeito, meia dúzia de truques e enganou toda uma geração”. Por enquanto, só amealhei os truques, mas ainda chego lá, amigo Joca.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Judas em forma de mulher na versão de ES

Encontro no shopping meu bom camarada ES, que, antes mesmo do cumprimento, dispara: “Aquela história do teu amigo que virou corno de uma ideologia está mal contada”. Figura renomada das artes visuais, ES é um observador da cena quotidiana, como eu, mas muito mais talentoso para adornar os fatos e a prova está no complemento da primeira intervenção, ainda antes do cumprimento: “A tal pessoa que colocou os chifres no teu amigo só pode ser um travesti”, sentenciou. Quedei-me pasmo.

ES estava se referindo ao texto “Judas em forma de mulher”, aqui publicado no início da semana, dando conta do desabafo de um amigo que levou um pé na bunda da parceira de anos, sob a alegação de que as idéias que ela passara a comungar não combinavam com as dele. Esse amigo estava sucumbido em tristeza, um tanto pela perda da amada e outro tanto pela forma como foi rejeitado. “Sou um corno, um corno de uma coisa imaterial. Ainda se fosse outra pessoa, talvez até me conformasse, mas ser trocado por uma ideologia, aí já é demais. Fui traído por um Judas em forma de mulher”, relembro as palavras textuais.

ES pegou o gancho e seguiu na sua tese: “Se é Judas, só pode ser homem e homem em forma de mulher só pode ser traveco”. Juro que não havia pensado nisso. Talvez ES tivesse razão.

Divagando e associando idéias, ES puxou do fundo do baú um filme de Neil Jordan (Traidos pelo Desejo, de 1992) estrelado por Forest Whitaker, que interpreta um soldado inglês sequestrado pelo IRA. O guerrilheiro (Stephen Rea) encarregado de vigiar o soldado desenvolve uma certa amizade pelo refém. O soldado acaba morrendo e o guerrilheiro vai comunicar sua morte à namorada dele, por quem acaba se apaixonando. Mas esta paixão lhe provocará um choque inesquecível, quando ele descobre que a moça é na verdade... um travesti. Como havia assistido ao filme, lembro bem da cena da descoberta, ousada para a época, com o nu frontal do travesti.

“A historia do teu amigo nada mais é do que a vida imitando a arte”, provocou ES. E antes que eu pudesse opinar e sem uma pausa sequer, afirmou categórico:

“Nesse caso, teu amigo foi duplamente enganado: pela parceria e por si mesmo ao não admitir o relacionamento com um travesti”. A ser verdade as conjecturas de ES, há mais um enganado no episódio, no caso este relator da história, ao qual teria sido sonegada a verdade por inteiro.

Pilhado por ES, consumido em dúvidas, fui atrás da verdade. Indaga daqui, indaga dali, acabei descobrindo que meu dileto e sofrido amigo tivera realmente um relacionamento recente com uma tal de Andressa Suellen ( com dois “eles”), Andi ou Su para os íntimos, ou Andrigo na sua versão masculina. Os informantes juraram, entretanto, que a pessoa era feminina ao extremo, uma baixinha bem jeitosa, só que ligeiramente estrábica e um pouco dentuça, defeitinhos de fabricação que, na verdade, lhe conferiam um charme especial e talvez fossem a chave que explicava a entrega amorosa do meu amigo. (Lembro agora que, na juventude, ele sempre procurava esses diferenciais nas suas parceiras).

Sou rodado e mesmo assim fiquei surpreso com as revelações acerca do relacionamento aqui relatado. Mas fazer o quê diante das ciladas do amor? Compreender e aceitar é preciso.

Só que, diante do episódio, tomei uma decisão para não mais ser surpreendido: chega de dar trela para velhos amigos, chega de histórias à Nelson Rodrigues.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O temível TCC: adeus ao "veja bem"



O veterano aqui decidiu enfrentar um MBA na esperança de retardar sua transformação em dinossauro. Foram 18 meses de dedicação, muitas leituras, produção de trabalhos caprichados para não fazer feito diante da turma mais jovem. Foi também um tempo de convivência com um grupo heterogêneo que se integrou e se curtiu de forma que a volta à academia fosse prazerosa, sem falar que a predominância de mulheres, cada uma com seu charme peculiar, conferiu qualidade estética ao espaço que dividíamos a cada duas semanas. Tivemos mestres inspiradores, a maioria bem mais jovem do que o autor destas mal traçadas. Um deles me chamava de senhor, mas o pior foi ser tratado de vô pelas gurias. Provocação barata, mas tirei de letra e, ao fim e ao cabo, sai invicto.

O pior vem agora: o temível TCC – Trabalho de Conclusão de Curso, também conhecido como Transtorno na Conclusão do Curso. O negócio é tão sério que temos uma disciplina só para esmiuçar a questão. Apesar de a adorável professora Cláudia tentar nos incutir confiança, estamos todos em pânico. A tarefa se equivale aos 12 trabalhos de Hércules, exige muita pesquisa e seguir um roteiro cheio de nuances e de bem fundamentados referenciais teóricos, tudo em prazos curtíssimos como coice de mula, como se diz lá pra fora. E ainda tem todas aquelas regrinhas da ABNT, que não contribuem para o conteúdo, mas podem prejudicar na forma e provocar descontos nas notas. Não dá mais para apelar para os “veja bem”, como tenho feito até agora.

O parceiro Poti, ao invés de ajudar azedou ainda mais nosso humor, ao postar no Facebook o comentário "Fatos sobre o TCC", retirado da Desciclopédia:

O TCC te faz virgem de novo. - O TCC te afasta dos amigos e da família. - O TCC te estressa. - O TCC te induz ao vício. - O TCC te faz adoecer. - O TCC te faz perder a fome (ou comer demais). - O TCC causa distúrbios de personalidade. - O TCC destrói relacionamentos. - O TCC não te deixa dormir. - O TCC te causa problemas de coluna. - O TCC dá tendinite. - O TCC te faz xingar tudo e todos a qualquer hora do dia - O TCC causa amnésia temporária (faz você esquecer o que é balada, academia, viagem com os amigos, cerveja, feriado, fim-de-semana etc).

Valeu, Poti. Invejo essa tua capacidade de fazer graça diante do drama, mas saiba que vais sofrer tanto quanto nós, pobres estudantes à procura de um tema e de um formato. Artigo ou Monografia? Plano de Negócios ou Pesquisa Bibliográfica? Que dilema!

E qual o tema a ser abordado, que teses defender, como sustentá-las? Dúvidas cruéis. Não me entrego, porém. Já tenho uma vaga idéia do que será meu TCC. Se tem relevância acadêmica aí é outra questão. Mas vou a luta com garra e determinação até para manter a pose e não levar vaia no final, mas cheio de saudades dos meus salvadores “veja bem”.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Judas em forma de mulher

Reencontrei dia desses um velho companheiro de antigas jornadas. O sujeito, antes um boa-pinta e conhecido por seu alto astral, se apresentava agora qual um farrapo humano. Quase andrajoso, fisionomia sofrida, olhos fundos, barba por fazer, vagava a esmo pela cidade até encontrar um ombro amigo, no caso o deste que vos fala.


Antes mesmo que eu perguntasse o que atormentava aquela alma aflita ele contou sua desdita. Revelou que mantinha um relacionamento estável com uma moça, ex-colega de trabalho, mas que agora estava tudo acabado e que a vida para ele já não tinha mais sentido, dramatizou. Nem precisei cutucar para ele detalhar o que sucedera. Vou tentar reproduzir o relato da forma mais fiel possível:

“Ela me convidou para um happy e lá fui eu, todo feliz, fantasiando o que aconteceria depois. Mas qual não foi a minha surpresa quando, logo no inicio do encontro, ela disparou que precisava dar um tempo no nosso caso. E em seguida explicou os motivos para o rompimento: estava envolvida com uma corrente ideológica que não combinava com as minhas idéias e o movimento passara a ser o centro da sua existência naquele momento. Na minha cara, acrescentou que seus valores agora eram outros, que precisava redirecionar sua vida e que não havia mais espaço para a convivência entre as novas idéias libertárias e o relacionamento amoroso. Entendeu o que isso significa? Sou um corno, um corno de uma coisa imaterial. Ainda se fosse outra pessoa, talvez até me conformasse, mas ser trocado por uma ideologia, aí já é demais”.

Como sempre acontece nessas ocasiões, a pessoa rejeitada passa a relembrar os bons momentos do passado que é a forma de se martirizar ainda mais. Contou sobre um tórrido encontro que tiveram no exterior, sobre as escapadas em horários pouco convencionais, sobre o sexo sem limites, sobre as idas e vindas e os reencontros sempre prazerosos. “Era bom!”, acrescentou, após um longo e melancólico suspiro.

Na sequencia do roteiro previsível desses dramas, o sujeito tenta desqualificar aquela que foi a dona de seu coração . Começaram, então, a ser revelados os defeitos da parceira – “é uma sonsa, uma falsa” – e situações passadas que agora ganham relevância e são reveladoras do verdadeiro caráter da parceria. O amigo, agora mais recomposto depois do desabafo, falou vagamente de falsetas praticadas pela ex-namorada – “uma série de pequenas mentiras, esquivas e dissimulações que ainda hoje me deixam intrigados”.

Compadecido com o episódio e tomado de compaixão, tentei consolar o velho companheiro, mas foi inútil:

- Não adianta, fui traído, fui traído por um Judas em forma de mulher.

Antes de me despedir daquele pobre-vivo e seu drama, tentei outra vez levantar-lhe o ânimo com uma mensagem final positiva: “Olha, Judas em forma de mulher é uma boa definição, um achado para o caso”, elogiei com sinceridade, mas ele já não prestava a atenção, imerso novamente na sua infinita tristeza.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Os caranguejos de Pequenópolis

O caranguejo B não suportou ver o caranguejo J se sobressaindo no cesto e tentou puxá-lo para baixo. No cesto de Rio Apequenado do Sul é assim: para qualquer caranguejo que consegue ascender tem sempre um bando de outros caranguejos torpedeando a subida.

Rio Apequenado do Sul já foi um grande cesto, mas hoje está dividido entre os que trabalham para subir e os que fazem de tudo para impedir a progressão dos outros caranguejos. Com isso, o cesto foi se apequenando e só o que cresce naquele ambiente é o dissenso, que leva à crise, que vai tornar inviável todo o sistema.

É bem verdade que a história de Rio Apequenado do Sul foi construída de divergências, de grandes refregas entre a caranguejada, mas sempre que os crustáceos se uniram em torno de causas comuns houve progressos no cesto e foi bom para todos.

Agora está mais difícil a convivência porque em breve será escolhido o líder de Pequenópolis, o canto mais importante de Rio Apequenado do Sul. Pequenópolis também já foi grande, mas perdeu espaço por causa dos caranguejos-do-não, uma facção extremamente radical, barulhenta e retrógada, que atrapalhou como pode os projetos que melhorariam a vida no cesto. A eles se juntaram os oportunistas de plantão, os interesseiros de ocasião, os voluntariosos trapalhões e até alguns parceiros sinceros nas suas intenções, mas ingênuos porque não percebem as artimanhas em que acabam envolvidos.

O caranguejo J tenta recuperar o tempo perdido e isso é insuportável para a turma do não, que quer retomar o poder em Pequenópolis, sem medir esforços para boicotar as subidas proporcionadas por J.

Pequenópolis voltará a ser grande, apesar dos crustáceos mal intencionados, porque a maioria da caranguejada já se deu conta de que com esse pessoalzinho ninguém sobe, nem desce, estaciona no tempo e o cesto acaba indo para as cucuias.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Só não me chamaram de bonito

Será que morri e não fiquei sabendo? Calma que posso explicar, como diria o infiel apanhado em flagrante. Sucede que ao despedir-me da repartição, passei a receber elogios dignos de um necrológico, daqueles que os jornais publicam quando partimos desta vida. Deixei de ter defeitos, passei a ser uma pessoa maravilhosa e um chefe sem igual. Meu bom humor é destacado, minha competência profissional enaltecida, a generosidade reconhecida. Sou doce e meigo; inspirador e motivador; irônico e debochado, aqui incluídos também como elogios. Bobagens que um dia pronunciei viraram mantras. Concedi benefícios, fiz favores e estendi a mão para mais pessoas do que imaginava. Recebi, inclusive, telefonemas de solidariedade, que não se aplica ao momento. Fui atento nas atividades profissionais e sensível nas questões pessoais. Um exemplo de cidadão. O cara!


Acredito na sinceridade de todas as manifestações, que massagearam o meu ego, o que não representa tanta vantagem, porque ele não é muito grande. De coração agradeço. Fiquei comovido, admito, mas peço reservas para preservar minha couraça de durão. Se fiz bem a alguns ou a muitos é isso o que importa.

Elogio sempre é bem-vindo, mesmo que às vezes não corresponda à realidade. Percepção é tudo e vale a versão, mas é preciso lembrar que Dr. Jeckyll e Mr. Hyde convivem na mesma persona, e nem sempre é possível diferenciar a personalidade boa da má. Antes que seja mal interpretado, até porque Dr. Jeckyl e Mr. Hyde entraram neste texto como Pilatos no Credo, devo acrescentar que não me identifico nem com um nem com outro. Sou apenas aquele que faz suas escolhas, erra, acerta e continua aprendendo.

Agora, se me dão licença, permitam-me gozar as delícias do ócio e me enfarar de tédio. Acho que mereço.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Marley e eu

“Marley & eu - Vida e Amor ao lado do pior cão do mundo” é um livro de grande sucesso de vendas, escrito pelo jornalista norte-americano John Grogan e virou filme também de grande sucesso, estrelado por Owen Wilson e Jennifer Aniston . Através de uma narrativa em primeira pessoa, Grogan relata a história real de seu cachorro da raça labrador americano chamado Marley e sua participação durante treze anos na sua vida. A história tem um final triste, com a morte do simpático cãozinho.


Não é o caso de vida imitando a arte, pois se trata de outra história real, o drama que teve desfecho nesta semana com a morte do nosso Marley. O cão, um belo collie de plumagem dourada, chegou à nossa casa há mais de 10 anos, presente de uma namorada ao Rafael. A namorada se perdeu no tempo, mas o Marley se aquerenciou na casa, recebendo esse nome em homenagem ao Bob Marley, uma das preferências musicais do Rafael.

Só que, ainda pequeno, o cão contraiu uma verminose, ou algo parecido e desde então tinha convulsões freqüentes. Nem as doses crescentes de gardenal conseguiam diminuir seu sofrimento, até que foi sacrificado depois de sucessivas crises no fim de semana.

Mesmo com uma existência sofrida, o Marley era um nobre representante dos pets entre nós. Grande, desajeitadamente imponente, mas dócil a ponto de se deixar acarinhar pela Maria Clara, que sempre fazia questão de visitá-lo no seu recanto quando estava na casa dos avós. E convivia soberano com os seus iguais de hoje, a yorkshire Felícia e seu filho, o Gordo, o primo Bento, o gato errante Peter e com os que por aqui passaram, deixando saudades, como a carismática vira-latas Penélope e o dengoso Chamã, da Flávia, um pincher preto como o Bento.

Todos eles, inclusive o peixe 101 da Mariana, se tivessem o dom de falar, me chamariam de avô, pois meus filhos os consideram seus filhos, tanto assim que a Maria Clara pede pelo “Maño” quando quer “conversar” com o Bento. Mas, devo confessar, que não sou muito afeito a cães e gatos, embora eles sintam uma irresistível atração por mim. Os bichos me cercam, procuram chamar minha atenção e pulam no meu colo desavisadamente e jamais os maltrato, mas seguramente vocês não me verão passeando com a bicharada. Se isso acontecer, pode chamar o Samu e me internar.

A verdade é que acabo me afeiçoando aos bichos e confesso que fiquei abalado com a morte do Marley, a quem dedicaria uma lápide se fosse o caso: “Aqui jaz um guerreiro – Marley Dutra”.