domingo, 27 de fevereiro de 2011

Me encanta Buenos Aires

Depois de três anos da última viagem, acabo de retornar de Buenos Aires e me quedei mais encantado ainda pela cidade. Invejo aquelas largas avenidas, as praças cheias de monumentos, a profusão de bares e restaurantes, o comércio efervescente, que minimizam uma certa má vontade dos portenhos em relação aos visitantes, especialmente os brasileiros.

Observei que a cidade está mais limpa, tem menos moradores de rua e pedintes, mas cresceu o número de camelôs, disputando espaço com pedestres e junto ao comércio legalizado, mas convivendo pacificamente, sem qualquer forma de repressão . Aliás, observei pouca policia nas ruas, o que talvez justifique as recomendações para que se redobre os cuidados em determinados espaços e horários. Ressalto que nossa delegação não teve qualquer problema. Éramos um bando de 12 pessoas, um grupo heterogêneo que incluía desde criança de colo, como a Maria Clara, a veteranos como eu.

O pretexto da viagem era visitar minha filha Mariana, que está morando, trabalhando e estudando temporariamente em Buenos Aires e vai bem, obrigado. Suspeito, entretanto, que a principal motivação de grande parte do grupo foi fomentar o comércio exterior e contribuir para equilibrar a balança comercial entre os dois países. É impossível descrever tudo o que comprou essa gente! Com o real valendo em média 2,40 pesos não deu pra resistir às ofertas, ainda mais que o comércio anunciava grandes “rebajas”, o Liquida Porto Alegre deles. Os melhores preços, é claro, eram das lojas de calçadas e tudo que os consumidores vorazes buscam pode ser encontrado na Florida, Lavalle e imediações, no centro de Buenos Aires.

Não preciso dizer que se come e se bebe otimamente em Buenos Aires, independente do local escolhido. Nosso grande festim gastronômico aconteceu no La Bisteca, em Puerto Madeiro, (na frente do complexo de cinemas do Cinemark), que já conhecíamos de outra viagem. O conceito do La Bisteca é “cozinha de alto nível, sem limites”, o que significa um magnífico buffet com ilhas de saladas, massas, sopas, frios, grelhados e sobremesas. Visitamos tudo, sem moderação, eventualmente prostrados de joelhos . Para acompanhar, um malbec de Mendoza, da melhor qualidade. O preço por pessoa, sem o vinho e outras bebidas, não chega a 80 pesos, pouco mais de 30 reais, (custo para sextas-feiras e fins de semana, porque durante a semana o preço é menor). Fica a dica.

Para circular pela cidade, nada melhor que o táxi, que é baratíssimo, a frota é grande e está renovada. Aproveitava as viagens de táxi para pesquisar um pouco sobre o que pensam os argentinos. Como se sabe, os taxistas, no leva e traz de passageiros, são formadores de opinião por excelência. O próprio taxi, por si só, é uma mídia, na medida em que transitam no veículo muitas informações, de várias procedências. Pois bem, a principal constatação é de que os taxistas amam Lula tanto quanto amam Maradona e a maioria aposta que Cristina Kirchner será reeleita presidente e vai votar nela. Lula é idolatrado pelo reconhecimento do bom momento vivido pela economia brasileira que se reflete no movimento turístico argentino, com ganhos para todos os setores envolvidos, aí incluídos os taxistas. A idolatria só cresceu quando o governo brasileiro impediu o reabastecimento em portos nacionais de um navio inglês que rumava para as Malvinas. O gesto calou fundo nos argentinos que até hoje consideram as ilhas como parte do seu território, acumulando ressentimentos em relação aos “invasores” ingleses.

- Viva Lula, Viva Cristina, chegou a gritar um taxista argentino mais expansivo, que nos conduzia noite à dentro pela capital portenha.

O primeiro turno na Argentina está marcado para 16 de outubro e, como a pesquisa entre os taxistas é referendada pelos institutos, Cristina tem boas chances de ganhar de primeira. Ela está com pelo menos 30 pontos de vantagem sobre qualquer dos outros adversários, entre eles o prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, segundo colocado nos levantamentos de intenção de votos. Além disso, a atual presidente se sustenta num índice de popularidade de 60%, mesmo que em Buenos Aires esse índice caia para 29%. A campanha ainda não esquentou, mas Buenos Aires já apresenta cartazes de todos os candidatos.

O grande embate da presidente, na verdade, é contra o jornal Clarim, o mais importante da Argentina, que em todas as edições estampa manchetes denunciando atos de corrupção n o governo. É o contra-ataque do jornal contra as pressões do governo sobre a mídia em geral e o Clarim em particular. Reina grande expectativa sobre os desdobramentos do caso, especialmente quanto ao seu impacto nas eleições.

Como observação final, fica a constatação de que Buenos Aires é uma dos destinos preferidos para o turismo gay. Homens e mulheres, de todas as idades e todas as procedências, circulam com seus parceiros e parceiras na maior naturalidade, sem se incomodarem com alguns olhares atravessados. No exterior, o pessoal se solta. A quantidade de gays e lésbicas só é menor do que os pacotes de compras dos turistas. A propósito, já estou com urticária aguardando a fatura do cartão de crédito, se bem que Buenos Aires vale uma extravagência.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Ouvindo conversa alheia

* Publicado originalmente em 21/10/2009


Sou fascinado por aqueles retalhos de conversa que ouço nas caminhadas matinais por Ipanema ou quando circulo pelo Centro da cidade. Para mim, a mais instigante das frases incompletas, ao cruzar pelos outros passantes, é “...aí eu disse assim pra ele...”. Juro que me dá vontade de voltar e interpelar os responsáveis pelo diálogo: “E aí, o que foi dito?”. Mas fico constrangido e preocupado com a reação diante da interferência indevida naquele momento de comunhão e intimidade, ainda mais quando são mulheres. Acabo me torturando por não saber o significado e a continuidade do diálogo.


Essa obsessão para compartilhar conversas alheias me acompanha há anos e cheguei a sugerir ao Nilson Sousa, meu cronista preferido, que produzisse um texto sobre o tema, ele que é um contumaz caminhante da zona sul. Claro que o talentoso Nilson, como sempre, escreveu uma crônica irretocável que tentei recuperar, sem sucesso.

Vida que segue, outro dia no supermercado flagrei o desfecho da conversa da menina do caixa com uma colega. “Aí ela me contou que...” e baixou o tom de voz, a infeliz, tornando inaudível para mim o que teria contado interposta pessoa. Depois, novamente em voz alta, acrescentou: “Chocante, não?”. Eu quase esgoelei as duas, eu quase implorei de joelhos que me revelassem o chocante segredo sussurrado, mas me contive. O que a pessoa teria dito? Quem era o interlocutor da incisiva sentença? O que aconteceu depois? A angústia por não ter respostas às indagações das meias conversas me atormenta pelo restante do dia. Mas como tudo na vida tem seu lado positivo, o que não capturo dos diálogos me permite fantasiar situações e criar histórias para completar o relato.

A partir dos fragmentos, imagino grandes tramas, graves conflitos, conspirações diabólicas, intrincados dilemas, enfim, homens e mulheres enfrentando momentos decisivos de suas existências. Se não houver grandeza, a fantasia não vale a pena. E quem sabe a fantasia não corresponde à realidade e os relatos entrecortados tenham, para esses populares, uma magnitude que nós não conseguimos alcançar?

Outro aspecto interessante que me chama a atenção é que o narrador das conversas jamais é um perdedor e sempre sai em vantagem diante do outro participante do relato. Um exemplo típico é a descrição daquele embate, provavelmente contra o chefe, em que o passante diz para seu parceiro de caminhada: “Agora ele sabe que comigo é mais embaixo”. E eu fico imaginando no que vai dar esta queda de braço. Um deles certamente vai para a fila do SINE.

Igualmente muito comum é o diálogo entre duas jovens senhoras, tagarelando no calçadão de Ipanema: “Tu nem sabe o que o patife apresentou desta vez”. Imagino sempre o pior, histórias de infidelidade conjugal, flagrantes de adultério do patife ou algo do gênero. Lamento, mas neste caso não consigo pensar em nada que não seja sacanagem. Da mesma forma quando ouço, à passagem dos garotões sarados, um deles exclamando: “Cara, que noite!”. Só posso imaginar uma noitada de luxuria e aí o sentimento que se apossa de mim é o da inveja. E tem aquela clássica frase, também parte de diálogo entre homens: “Convidei a fulana para sair e ela...”. E aí? A fulana aceitou ou não? Se aceitou, o que rolou depois? Valeu a pena a investida? Dependendo da cara do sujeito, fico torcendo para que ele tenha sido bem sucedido, mas já me censurei por agourar o suposto caso, imaginando que o pervertido se deu mal e a mocinha se livrou de uma roubada.

Fazia essas divagações quando lembrei de uma cara amiga. É que ela não consegue entender essa minha curiosidade, certamente resquício da formação do repórter que um dia fui, e costuma reprimir minhas tentativas de aguçar os ouvidos em busca de esclarecimentos sobre os insondáveis conteúdos das conversas alheias. A amiga me acusa de abelhudo, de invasivo, de inconveniente, mas a verdade é que ela também fica atenta como uma corujinha às conversas, só que banca a dissimulada. Ela não reconhece minhas qualidades de observador da cena quotidiana e não valoriza o saudável exercício diário de entender o comportamento humano a partir de diálogos incompletos, confissões entre amigos, segredos de pequenos universos, vivências compartilhadas. E que jogue a primeira pedra quem nunca prestou mais atenção do que devia nas conversas alheias.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Manifesto gastronômico

Publicado originalmente em 9.11.2010

Não sou de muita frescura com comida. Gosto de carnes, muita salada, massas com molho de carne ou à putanesca, um feijãozinho com arroz de vez em quando e não recuso, mas pego leve, as frituras. Berinjelas, feitas de qualquer forma, ativam minhas papilas gustativas, assim como carne picada com batata ou moranga. Quer me fazer mais feliz? Sirva uma tortilha de batata, coberta com ovos e presunto e pode até espalhar queijo ralado por cima. Estou comedido nos doces, mas fico prostrado de joelhos diante de um doce de abóbora (pronuncia-se “abóbra”) com aquela casquinha dura.

Sou absolutamente incompetente na cozinha, porém recebo elogios quando piloto os espetos, especialmente pelas costelas que sirvo passadas pouca coisa do ponto. Confesso que sou um costeleiro militante, mas não chego ao exagero de afirmar que a costela é melhor que a picanha. Gaúcho tem mania de promover competição em tudo, até em carnes, criando uma falsa oposição entre a costela e a picanha, ou entre a picanha e o vazio ou ainda entre o vazio e a maminha. Traço tudo com gosto, sem estabelecer pódios para os cortes.

Na verdade, o que me desagrada na chamada gastronomia contemporânea são algumas manias que passaram a dominar os bufês. O primeiro exemplo de pobres artifícios de cozinheiros sem inspiração é o uso indiscriminado da tal de batata palha. Trata-se de um ingrediente que nada acrescenta, mas reconheço que a cor amarela das finas tirinhas industrializadas conferem um certo realce aos pratos. Então, dê-lhe batata palha: arroz com batata palha, carnes com batata palha, saladas com batata palha, purê com batata palha, farofa com batata palha, batata palha com batata palha, numa inadmissível variedade de guarnições para iguarias que pedem tão somente simplicidade e esmero no preparo.

Meus companheiros da mesa diária nos almoços pelo Centro da cidade fazem troça dessa restrição, mas parte deles concorda com outra implicância minha: a mania de agregar molho branco ao maior número de pratos possíveis. Tudo vira uma meleca só. Neste caso, sou ultraconservador: molho que se preze tem que ser vermelho e bem espesso e não essa viadagem branquela e sem gosto.

O uso abusivo do queijo, inclusive os fedorentos, nos tais molhos brancos e em outros alimentos também vai contra as minhas convicções. Queijo bom e cumpridor do seu papel gastronômico é queijo em forma de tira-gosto ou no sanduíche, mesmo de mortadela. Faço uma exceção para as pizzas que exigem sempre uma boa camada de queijo, mas até nisso os pizzaiolos apelam para os exageros – já vi cardápios com pizzas de oito queijos! Assim é difícil ser feliz à mesa.

As pizzas, aliás, merecem um capítulo extra nesse desabafo anti frescuras nas comidas. A bem da verdade fui criado saboreando as pizzas altas que dona Thélia, minha mãe, preparava nas festas ou quando queria agradar a filharada. A receita era um legado da dona Amália, minha avó carcamana. Eram pizzas de uns três ou quatro centímetros de altura, com uma massa fofa e cobertas com tomate ou sardinha – acho que ainda não tinham inventado o presunto naquela época – preparadas em grandes formas e depois cortadas em cubos. Podiam ser devoradas frias ou quentes. Uma delícia! Só de lembrar me dá um banzo.

Hoje não encontro mais pizzas nesse formato. E prefiro mesmo não encontrar porque a comparação com as pizzas das minhas melhores lembranças seria desigual para o produto atual. E assim sou obrigado a enfrentar pizzas das mais duvidosas procedências, pizzas sem critério na mistura dos ingredientes, pizzas desrespeitosas com a sua tradição, abomináveis pizzas de sorvete, detestáveis pizzas com catupiri, desprezíveis pizzas com banana e canela, execráveis pizzas com outras frutas. Um cardápio revoltante! O que mais me magoa é que a minha família adora essa diversidade. Bando de insensíveis, trogloditas gastronômicos.

Incluo na mesma categoria aqueles comensais que trazem a mesa verdadeiros pomares, misturados aos outros tipos de alimentos. Carnes, saladas, massas com guarnição de mamão, melão, uva, laranja, mangas e o que mais estiver disponível. Às vezes pintam até as nojentas bananas carameladas. Fruta é fruta e deve ser degustada como sobremesa e não como acompanhamento, agridoçando o que deveria ser salgado, sem adoçar o que exige ser doce, numa mistureba inexplicável de sabores. Trata-se de um crime de lesa paladar para o qual não existe perdão.

Aos que preferem a boa mesa, simples, gostosa, sem adereços indigestos, lanço esse manifesto na esperança de conquistar adesões contra os falsos experimentalismos culinários e a favor da cozinha civilizada no seu preparo, honesta nos seus gostos e sabores. Vem nessa que a causa é nobre e saudável. Ah, esqueci de avisar: detesto sushis.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Agruras de viajante

                                                  O mimo que não viajou

Presentes, compras para os conhecidos e viagens é uma combinação que nem sempre dá certo. É comum acontecer, em vésperas de viagem ao exterior, de sermos convocados a adquirir as coisas mais estapafúrdias. O pedinte não quer saber se vamos estourar nossa cota, nem sempre adianta a grana que vai realizar seu sonho de consumo e tampouco está preocupado com o esforço que vamos empreender para encontrar a mercadoria certa a um preço razoável. Isso não vale para os perfumes e os creminhos que as amigas de fé pedem e que atendo com prazer, até porque não demandam maiores complicações para serem adquiridos nos dutyfree dos aeroportos. Gosto também de presentear os amigos e familiares com agrados que vou selecionando durante a viagem.

Nada a ver com algumas intimadas recebidas. Certa vez um parceiro pediu que comprasse no exterior um jogo de copos de cristais da Bohemia para presentear a sua mamãe. E exigiu que eu transportasse o pacote junto com a bagagem de mão, com receio de que os copos chegassem danificados. Outro, na véspera de uma viagem a Manaus, encomendou-me uma boa quantidade de relógios da Zona Franca, que pretendia revender para faturar uma grana extra, desde que o financiamento inicial fosse por minha conta. Nenhum dos dois abusados foi atendido, é claro. Pedir não ofende, eu sei, mas atender é que são elas. Fico tão angustiado com a impossibilidade de frustrar os pedintes que, em determinadas circunstâncias, peço às atendentes das lojas uma declaração de que o produto está em falta.

Para dar uma idéia do insólito dessas situações, costumo repetir uma brincadeira quando fico sabendo da viagem de alguém ao exterior. Começo perguntando se a pessoa sabe o que pode ser adquirido a um preço baixíssimo no local de destino do viajante. Diante da resposta negativa, informo coisas como arame farpado, botijão de gás, sacos de carvão, porcelanato e outras coisinhas fáceis de transportar... O interlocutor fica pasmo até se dar conta de que é uma brincadeira.

Isso é fichinha comparado a situações que envolvem mimos oficiais que, vez por outra, fui portador. Em Florença, recebi um arranjo de flores da região e uma garrafa de fino vinho tinto que transportei, cheio de cuidados, por três vôos, um deles transoceânico, até o destinatário. Na mesma ocasião, fui brindado com dois pesados volumes de plantas baixas da Florença antiga, que devem ter inestimável valor, mas que deram uma trabalheira danada para carregar.

Mas o pior aconteceu em uma viagem oficial a Xangai, acompanhando o então prefeito José Fogaça. Escalado de ultima hora e sabendo que os chineses gostam de receber e dar presentes, pedi que preparassem um pacote com livros de fotos de Porto Alegre (“Cenas Urbanas, Paisagens Rurais”), de autoria do consagrado Eurico Sales. Os chineses certamente gostariam de receber a bela obra. Recebi o pacote e tratei de despachá-lo junto com as malas no aeroporto, mas ainda tive o incômodo de carregá-lo no trânsito pelos aeroportos e no vai e vem de hotéis. A carga era preciosa e eu precisava cuidar bem dela.

Na primeira oportunidade em que haveria troca de presentes com autoridades chinesas, levei o pacote inteiro para o encontro. Quando começou o cerimonial, me dei conta de que havia deixado o pacote no carrro. Corri até ele e consegui resgatar os livros, depois de uma gincana para localizar o motorista chinês. Fui até o banheiro para abrir o embrulho e, surpresa: ao invés dos livros do Eurico Salis eu havia transportado por milhares de quilômetros dez relatórios de gestão da Prefeitura, todos ali, bem acondicionados e inúteis para a missão na China. Fiquei lívido!

Alguém em Porto Alegre havia me preparado uma falseta e eu agravara o episódio por não ter procedido as checagens necessárias, tinha improvisado e não previ um plano B, como se requer. Que fazer? Tratei de voltar ao salão da cerimônia, mas como localizá-lo, alguns andares acima. Desgraça pouca é bobagem. Com a confusão toda havia perdido as referências do local e tive enorme dificuldade para me comunicar com os chineses até descobrir onde estava ocorrendo a cerimônia.

Cheguei ao salão no justo momento em que o prefeito Fogaça recebia o mimo da autoridade chinesa, enquanto me olhava de soslaio à espera que eu repassasse o nosso presente. Tentei fazer cara de paisagem, mas foi em vão. Tive que admitir, com gestos constrangidos, de que estávamos desapetrechados para fazer frente à situação. Será que acabávamos de provocar um incidente internacional, a partir de desfeita com nossos anfitriões?

Fui consolado pelo experiente e generoso cônsul geral do Brasil em Xangai, Marcos Caramuru de Paiva, que estava presente ao encontro e diante das gaguejadas explicações que consegui dar ao prefeito, acrescentou que já vivera situações semelhantes e que não seria uma afronta ao cerimonial enviar o mimo posteriormente. Menos mal, meu bom diplomata, pensei agradecido e aliviado.

Em compensação, até hoje dez relatórios das realizações da Prefeitura de Porto Alegre devem estar circulando pela China. Se os chineses estão entendendo o conteúdo, é outra história.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Inclusão Digital Integral

Como diria o Macaco Simão, sigo na minha mesopotâmica campanha rumo à IDI – Inclusão Digital Integral. Depois de adquirir relativo domínio sobre como operar nas redes sociais, apreendi nas férias em Curasal a operar cinco ou seis funções do Iphone, que dormitava na embalagem há mais de dois meses.


Gostei muito do brinquedinho que me dá acesso ao mundo da internet, além de fornecer a previsão do tempo – inclusive de Curasal – e de disponibilizar uma bússola que eu ainda não sei para que serve. Gostei tanto que acabei deixando de lado os livros que levei para as horas de folga, que são todas nas férias, e também não pude me dedicar, como gostaria, aos esportes radicais que mexem com a minha adrenalina – virtualmente falando, é claro.

Superada, sem maiores traumas, essa etapa do meu aprendizado digital, agora estou pensando em investir num IPad. Estou colhendo opiniões de experts para saber se as funções do aparelho são amigáveis para um aprendiz aculturado na era analógica. E vou além: pretendo adquirir um GPS para orientar meus caminhos motorizados. Confesso que sou um desorientado nato, mas agora vou me desorientar em bases tecnológicas, ou desorientar o GPS, como maldou um companheiro insensível.

Enquanto isso, prossigo com outra mesopotâmica campanha: abaixo os kkkkkk, hahahaha, hehehehe e similares na rede. Abaixo também os lindooos, adooorei, ameei, maravilhoooso., queriiidaaaa e todas as meiguices do gênero.

Bobagens da Internet: Pérolas Paroquiais

Estes avisos paroquiais foram afixados em  portas de igrejas. Todos eles são reais, escritos com boa-vontade e má redação.

                                             AVISO AOS PAROQUIANOS

- Para todos os que têm filhos e não sabem, temos na paróquia uma área especial para crianças.

- O torneio de basquete das paróquias vai continuar com o jogo da próxima quarta-feira. Venham nos aplaudir, vamos tentar derrotar o Cristo Rei!

- Quinta-feira que vem, às cinco da tarde, haverá uma reunião do grupo de mães.Todas as senhoras que desejem formar parte das mães, devem dirigir-se ao escritório do pároco.

-  Na sexta-feira às sete, os meninos do Oratório farão uma representação da obra Hamlet, de Shakespeare, no salão da igreja. Toda a comunidade está convidada para tomar parte nesta tragédia.

- Prezadas senhoras, não esqueçam a próxima venda para beneficência. É uma boa ocasião para se livrar das coisas inúteis que há na sua casa. Tragam seus maridos!

- Assunto da catequese de hoje: Jesus caminha sobre as águas. Assunto da catequese de amanhã: Em busca de Jesus.

- O coro dos maiores de sessenta anos vai ser suspenso durante o verão, com o agradecimento de toda a paróquia.

- O mês de novembro finalizará com uma missa cantada por todos os defuntos da paróquia.

- O preço do curso sobre Oração e Jejum não inclui as refeições.

- Por favor, coloquem suas esmolas no envelope, junto com os defuntos que desejem que sejam lembrados.

Sem comentários..

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ficar, partir

Em cada despedida a gente deixa um pedaço pelo caminho. E o pedaço que fica é a única ponte com o que ficou. Como explicar essa compulsão de estar permanentemente em trânsito, sem amarras nem âncoras, a não ser o caco que se deixou para trás? Talvez seja a necessidade de desafiar o novo e suas incertezas , mostrar que somos donos do destino e grandes no enfrentamento. A retomada também é penosa, mas é escolha, então, é seguir em frente, mesmo que despedaçados a cada partida.

E logo o ciclo recomeça, com a rotina que sufoca, o prazeroso que não se consuma, as relações que se intrincam e trincam, renúncia e redenção, e mais um pedaço da vida que se vai. Renovar é preciso, mas deve haver um ponto de estabilidade para conter essa vocação para o duvidoso e a busca sem fim de um Xangri-Lá que não existe. Se ao menos existisse uma fórmula pronta para harmonizar o paradoxo que nasce da vontade de partir e o desejo de ficar, de querer o movimento mas não o sentimento de perda.

Se não há saída, decidido está.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

De Curasal, com carinho


O Papa vai para Castel Gandolfo, o presidente americano para Camp DavId, a realeza inglesa para Balmoral, enquanto eu, mais modesto, me refugio em Curasal no verão. Traduzindo, um pequena praia entre Curumim e Arroio do Sal, no litoral Norte. Chama-se Âncora e tem direito a placa indicativa na Estrada do Mar, um pouco antes da entrada para a Grande Arroio do Sal.

No início, chamava-se praia Bento Gonçalves, o que denuncia origem dos seus primeiros veranistas. Na verdade, é uma das tantas praias acima de Capão da Canoa dominada pelo pessoal da Serra - Caxias, Bento, Flores da Cunha, Veranópolis, Garibaldi e outras mais, alem do reforço de gente de Canela e Gramado. Arroio do Sal é o centro da chamada Gringolândia, que só faz crescer impulsionada pelas facilidades de acesso da Rota do Sol.

Há cerca de 20 anos visitei Âncora pela primeira vez e já me apaixonei. Desde então reservava pelo menos 15 dias das férias para ancorar, com o perdão do trocadilho, entre os gringos. Até que, movido por um impulso, acabei adquirindo um modesto rancho a três quadras do mar, num investimento que quase me levou a falência. É que não dei ouvidos às advertências de que casa na praia só garante dois momentos prazerosos: quando a gente compra e quando se livra dela, de resto é só despesa e capital empatado. Não sou tão radical, mesmo porque desenvolvi uma relação afetiva com o lugar.

Espetada entre Figueirinha e Marambaia, Âncora se resume a uma avenida central e duas outras ruas em direção ao mar, cortadas por quatro ruas paralelas. Além da Interpraias, floresce a zona nova, coisa de praia metida a grande, mas região carece de urbanização, diferente do núcleo principal onde quase todas as ruas tem calçamento, iluminação e água tratada. As ruas receberam nomes inspirados na Revolução Farroupilha, homenageando Bento Gonçalves e Davi Canabarro, entre outros, ou extraídas do lema Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Quatro ou cinco casas ostentam piscinas, entre as quais a de dois parentes próximos, coisa bem boa. O hotel à beira mar, remodelado, é a grande atração, mas já viveu dias mais animados quando recebia os veranistas do Sesc, o boliche funcionava e as comerciárias se entrosavam com os nativos. O único boteco da praia fechou e agora o abastecimento é feito necessariamente nas praias próximas. A garotada, quando quer fervo, vai a Arroio do Sal, cuja noite tem lá seus encantos. Já eu prefiro as noites mansas da minha Curasal, embaladas pela sinfonia desafinada de sapos e grilos.

Conviver com os gringos é uma experiência antropológica, mas não chega a ser novidade para mim, casado com uma caxiense – santa criatura que me aguenta há 35 anos. De início o gringo é sestroso, mas depois de conquistado não há limites para a sua generosidade. Não há limites também para sua capacidade de devorar churrascos e galetos, enquanto entornam hectolitros de cerveja ou vinho ou caipirinha ou qualquer bebida com mais de 4% de teor alcoólico. O estereótipo é o Radicci, pelo traço talentoso do Iotti.

O esporte preferido do gringo é a pesca, mas observo que o número de pescadores e equipamentos de pesca em ação à beira mar não corresponde ao de pescados... Grande parte dos gringos que conheço se intitulam também adeptos das caçadas e tenho ouvido histórias fantásticas de grandes aventuras atrás de presas que se converterão em manjares inigualáveis. E eles ainda tem coragem de me convidar para essas empreitadas. Eu fora.

O gringo adora o mar. Faça chuva ou faça sol, lá se planta a família inteira na beira da praia, nonos e nonas juntos, chimarrão correndo a roda e depois a caipirinha, conversa animada naquele sotaque carregado, risos soltos e algazarra da criançada na água, numa saudável farofada. A pele branca desafia o sol e os trajes de banho, masculinos e femininos, afrontam os modismos, mas eles não estão nem aí.

Outra característica marcante do gringo é competir em tudo. A casa tem que ser melhor do que a do vizinho, o carro mais potente e é assim, na base da santa inveja e rivalizando pelo melhor, que a Gringolândia cresce. E quando o assunto é futebol, sai de perto, porque o Gringo sempre tem lado: ou torce para o Zuventude e tem um inclinação pelo Grêmio, ou para o Cassias e não esconde sua preferência pelo Inter.

Enfim, são tutti buona gente.