sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Aos meus filhos

* Em resposta aos comentários em Ninho Vazio

Quero muita gente reunida, quero algazarra e zoeira. Quero casa cheia, conversas fúteis ou sérias, som alto rodando Zeca Baleiro ou Paula Toller, tv ligada, assistida por ninguém, e rádio no futebol.

Quero gente em volta e podem até trazer os agregados, aqueles que me chamam de Tio, porque até dessas malas às vezes sinto falta.

Quero todos atentos aos primeiros passos da Maria Clara para que os tombos da pequena sejam logo socorridos. E quero muita manha da guria que é a forma dela dizer que quer participar também. Quero os brinquedos espalhados pelo chão e depois levados a boca e ai de quem censurar a Maria Clara.

Quero que multipliquem a descendência e logo, se não o vô não vai ter tempo de ver os netos crescerem, levar na pracinha da frente e subir o morro, ensinar palavrão aos guris e curtir a vaidade das gurias.

Quero muito churrasco dominical pelo mestre Rafael, costela gorda e quem sabe uma picanha, salsichão Borússia, ceva gelada, um cigarrinho para acompanhar e depois a clássica maionese da vó, sem esquecer a sobremesa que vale um repeteco.

Quero parentada junto, os mesmos de sempre, para que os lugares a mesa fiquem mais próximos e a gente possa falar mal dos outros ramos da família.

Quero que a Flávia pare de reclamar do Rodrigo e prepare um café preto para o despertar do cochilo no sofá, que nem a algaravia da tarde consegue importunar.

Quero bolo de laranja, recém tirado do forno, para acompanhar o café e deixar muito farelo no chão, para desespero da vó.

Quero inconveniências, deboches e maledicências, um pouquinho de rabugice, conversas atravessadas, palpites sem noção, porque aí está o sal da vida.

Quero toda a frota estacionada em frente da casa para a vizinhança saber, com uma pontinha de inveja, que estamos confraternizando.

Quero de volta a Mariana para me tirar do computador e dar carona a um bando até a parada que leva à Cidade.

Quero dividir os jornais e as revistas, espalhar pelo chão e deixa a vó reclamar que a casa está uma bagunça.

Quero a cachorrada em volta, Felícia se insinuando para o Bento e o gato se esquivando dos dois, mas deixemos o Marley no pátio porque confusão tem limites.

Quero todos a mesa para a sopa de capeletti à noite, para curar a ressaca, à espera do Fantástico e da sessão de cinema, com os filmes que o seu Coisinha da locadora reservou.

E quando o sono vier, saciado da minha gente, quero paz de criança dormindo.

(Só o que não quero é um ninho vazio).

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ninho vazio

Estamos vivendo, a Santa e eu, a Síndrome do Ninho Vazio. Para descrever a situação, lembro de um soneto muito recitado nos tempos escolares: “Vai se a primeira pomba despertada...vai se outra mais...mais outra”. O autor é o maranhense Raimundo Correa, que viveu entre 1859 e 1911, quando certamente a tal Síndrome ainda não havia sido inventada. Mas o nosso poeta acertou na mosca, ou nas pombas, pelo menos no caso dos Brandão Dutra.

A Flávia foi a primeira pomba a se desgarrar. Juntou-se ao Rodrigo há cinco ou seis anos e dessa união nasceu um passarinho muito amado, a Maria Clara. Depois foi o Rafael, peito de pomba, a trocar a morada dos pais pela casa e o carro da Rosana, deixando ancorado aqui na frente seu maltratado Uno, pneu baixo e grama crescendo em volta.

Por último, a pombinha Mariana se mandou para Buenos Aires, a pretexto de aperfeiçoar seu espanhol. Na verdade, foi uma andorinha que cedo aprendeu a voar.

Sei que os filhos são criados para o mundo, ou como sentenciou Kahlil Gibran, “teus filhos não são teus filhos, são filhos e filhas da vida”, mas confesso que me bate uma infinita melancolia diante desses quartos vazios, aqui e ali alguns vestígios de que foram habitados por crianças que cresceram para a vida. Os bonecos de pelúcia recostados na parede, a bola esquecida atrás da porta são lembranças de um tempo que se foi. Um cão inanimado repousa sob a cama, a espreita, como se esperasse zelosamente por sua dona.

Restaram ainda o Marley, um collie já caduco, a Felícia, uma irriquieta yorkshire, e um gato preto enjeitado, o Lotus Peter, que meus filhos tratam por filhos, mas diferente dos seus “pais” desgarrados, não abandonaram o lar que os acolheu, não deixaram um vazio, são presentes e fiéis. Os cães e o bichano não nos trocaram por “aquele outro” e “aquela outra”, nem por um gardelón qualquer.

Para quem, como eu, cresceu e conviveu em uma família numerosa, é difícil enfrentar essa nova etapa. Logo vem à lembrança da casa dos pais, que era refugio e aconchego, o castelo onde o nosso clã trocava afetividade e mesmo algumas rusgas, e onde os velhos, como magistrados e soberanos, promoviam a harmonia. O castelo já ruiu e agora o que ficou foi um ninho vazio.

Um novo castelo hei de erguer e, a partir dele, constituir meu clã, para que os meus filhos e os filhos dos meus filhos possam ter um porto seguro, um ninho que se refez, porque assim é o ciclo da vida e porque, como no soneto, “aos pombais as pombas voltam”, mesmo que os sonhos não voltem.

domingo, 21 de novembro de 2010

Agruras de estudante

Ao invés de envelhecer com dignidade, como tenho recomendado aos meus iguais de faixa etária, decidi enfrentar um MBA em Jornalismo Empresarial e passei a penar com aulas as sextas e sábados, a cada duas semanas. A turma tem uma predominância de meninas, todas muito bonitas e inteligentes e com as idades das minhas filhas... O naipe masculino é integrado por quatro bravos e, tirante nosso fotógrafo oficial Poti, também são bem mais jovens do que eu.

Apesar dessas diferenças, a convivência tem sido harmoniosa e respeitosa, tanto assim que ninguém ainda me chamou de Tio, nem de Vô. Com isso, me renovo a cada encontro, ainda mais que os professores selecionados são mestres inspiradores. Mas confesso que a jornada em busca de conhecimento não tem sido fácil.

Tudo começa na sexta-feira à noite, quando o desgaste do cotidiano semanal está no ápice. Aí a solução é ligar o piloto automático e ir em frente. Nos sábado, o suplício reinicia às 8h30, mas se não houve uma rodada de chopp na noite anterior, dá para agüentar. O problema é o turno da tarde, especialmente a arrancada depois do almoço. De repente, vem aquele soninho invencível e passo por enormes dificuldades para não sucumbir, porque, estudante aplicado que sou, escolhi sentar nas primeiras filas, cara a cara com o professor.

E tem ainda as muitas leituras extraclasse, textos que exigem muita atenção, e os trabalhos de cada disciplina – não dá para enrolar, o trabalho tem que ter qualidade. Enrolação mesmo só quando os questionamentos são muito complexos frente aos meus modestos conhecimentos. Nestes casos, busco um olhar arguto, mão no queixo, pose de quem está refletindo e, se necessário, emendo um “veja bem”.

Ainda falta um ano para a conclusão do curso e vou precisar de muita determinação para chegar lá. Conto para isso com a paciência dos professores e o apoio dos colegas, mas não custa fazer um apelo maior: dai-me forças, ó Senhor!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um pouco de sacanagem não faz mal a ninguém - final

(Recomenda-se ler a postagem anterior)

M., profissional liberal, teve um caso ardente com uma universitária mais jovem do que ele. Com dificuldades para conciliar seus outros compromissos, preferia encontrar a parceira pela manhã, no intervalo entre uma aula e outra. A sugestão partiu da própria moça, muito dedicada aos estudos e mais dedicada ainda aos prazeres da cama. Ela mostrava grande interesse em complementar sua atividade acadêmica com práticas que exigissem menos do seu intelecto e mais de seu belo físico, se é que me entendem. O inconveniente é que a saliência tinha horário pra terminar. Apenas duas horas de intervalo separavam uma aula da outra e a estudante, como explicamos, era aluna aplicada. Por isso, freqüentavam um motel próximo à faculdade, mas não tão próximo que pudessem ser flagrados por algum colega ou professor desgarrado.


Nosso amigo batizou esses encontros de "seqüestro sexual" porque, na origem do processo, a moça se arrependeu da combinação acertada na véspera e ele ameaçou invadir a sala de aula, arrancá-la dos estudos e levá-la ao motel de qualquer jeito. Como era um sujeito decidido, ela não se arriscou ao vexame e compareceu ao evento acadêmico-sexual. E não se arrependeu, garante nosso amigo, tanto assim que repetiram a prática várias vezes.

Já C., homem de comunicação, recorda que seus melhores desempenhos ocorreram domingo de manhã bem cedo. Sem explicar como, ele sempre tinha uma pauta especial para cumprir nesse horário. A “pauta” no caso era um encontro com uma colega descasada. Ele conta que era intrigante e ao mesmo tempo divertido chegar aos motéis num horário em que os outros casais estavam se retirando. Chamava o encontro de "hora da Missa", o sacrílego. Homem de família, ele tinha o cuidado de voltar para casa a tempo de preparar o churrasco dominical.

J., empresário do ramo imobiliário, tem preferência clara pelo horário do meio dia. O argumento dele é interessante: o horário gera menos desconfiança, afinal é o intervalo do almoço, mas tem suas vantagens porque reúne duas atividades prazerosas – sexo primeiro e depois a refeição, que encomendava logo que chegava ao motel. O inconveniente é que o tempo era exíguo e, além disso, não podia retornar ao escritório junto com a secretária, sua acompanhante nessas escapadas. Nada que uma mente imaginativa não resolvesse.

S., dedicado servidor público, se transformava quando marcava os encontros com a amante logo após o expediente na repartição. O fim de tarde tem sua magia, explicava ele. A noite chega de mansinho e com ela um clima romântico, que contagiava a relação. Além disso, o encontro nesse horário tinha sua praticidade. Depois da transa, vinha o jantar, e ele podia chegar em casa num horário civilizado, sem necessidade de ser criativo nas desculpas, que isso também cansa um vivente.

*Reciclado a partir de publicação em Coletiva.net

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Um pouco de sacanagem não faz mal a ninguém

O vô aqui cansou de escrever sobre coisas sérias, que ninguém dá bola, e decidiu apelar para o artifício imbatível da mídia popularesca: uma pitada de sacanagem nos conteúdos não faz mal a ninguém. O tema escolhido para essas mal traçadas é o horário preferencial para a prática de atividades extraconjugais, o popular adultério. É importante acrescentar que não se tratam de experiências pessoais, mas de um compilado de depoimentos obtidos aqui e ali.


Pois bem, se há um padrão, por segurança e conveniência, a preferência é por horários alternativos. Quem se dedica à dupla vida amorosa precisa ser criativo, ensinam nossas fontes. Traição à noite ou de madrugada dá muito na vista em casa. Logo a patroa começa a desconfiar e em seguida o estoque de desculpas perde em credibilidade e criatividade. Jantar com clientes ou fornecedores, por exemplo, está em desuso. De tanto que foi aplicado já não cola mais.

Claro que uma esticada à noite, a pretexto de bater uma bolinha com os amigos ou reunir a confraria para uma cervejada, tem validade de vez em quando. Só não dá pra abusar. No caso do joguinho com os amigos, a vantagem é que você poderá tomar banho depois do encontro amoroso. Mas é importante mostrar em casa provas do seu álibi: uma camiseta molhada, meias fedidas, um par de tênis embarrado e outros itens que sugiram um jogo de verdade, disputado até o último minuto “contra aqueles babacas da Contabilidade”. Profissionais do ramo carregam no porta-malas do carro um kit completo, já “batizado”, para se prevenir. Bafo de cerveja não é problema porque as mulheres sabem que depois do bate-bola a gelada é inevitável.

Os mais dedicados à causa recomendam, nessas situações que, em nenhuma hipótese, devem ser levados agrados para a esposa – tipo bombons, doces, flores. Esse gesto liga o desconfiômetro e aí, meu amigo, seus dias de libertinagem estarão contados, porque sua mulher vai querer saber de todos os detalhes do seu roteiro fora de casa. E vai crivá-lo de perguntas dignas de um lead jornalístico: quem, quê, quando, como, onde e por que. Isso ocorre com mais freqüência do que se imagina porque homens infiéis, mas de boa índole, são um poço até aqui de culpa e acreditam que agradando à esposa estarão se redimindo de seus pecados fora do lar. Os especialistas insistem: não faça isso, você vai se arrepender.

Infidelidade é escolha e se você optou por esse caminho, agüente as conseqüências. Ou então, pare de se torturar e volte para a sua vida normal, com mulher, filhos, cachorro, papagaio e a visita da sogra de vez em quando. Conheço histórias de homens que abandonam o lar por algumas horas e depois voltam para casa, pedindo perdão e rastejando qual um réptil. Para os que já fizeram sua opção e decidiram manter-se na ativa, selecionamos alguns cases sobre os horários preferidos para a prática do adultério. (continua)

*Reciclado a partir de publicação em Coletiva.net

domingo, 7 de novembro de 2010

Praga acadêmica

Uma nova praga está infestando o Jornalismo: os especialistas acadêmicos. Mestres do saber, professores renomados, celebrados teóricos são chamados a todo o momento para opinar sobre temas de suas áreas de conhecimento. Todo o santo dia somos alvos das análises dessas figurinhas carimbadas, pomposamente chamados de “consultores”. O problema é que esses doutos senhores não têm nenhum compromisso com a realidade. Entre o pensar da academia e o fazer da vida real vai uma enorme distância, que os vaidosos opiniáticos não levam em conta.

Durante o período eleitoral, vários deles – cientistas políticos, sociólogos e afins - circularam nos espaços da mídia, tentando explicar o comportamento do eleitor com teses que não sobreviveram a abertura das urnas. Economia e finanças, educação, cultura, segurança pública, política internacional, sexo dos anjos, para todos os temas sempre existe um especialista de plantão pronto para despejar suas verdades sobre nós.

O pior é quando passam a dar opiniões sobre coisas mais concretas, obras públicas por exemplo. Cada acadêmico consultado tem a solução mais fabulosa e arrojada para os problemas, não importando se existem recursos e viabilidade para a execução do faraônico projeto. Mas a idéia proposta passa a ser definitiva, inquestionável e ai de quem ouse pensar diferente. O nome desta postura chama-se desonestidade intelectual, pecado dos sectários e donos da verdade.

A responsabilidade primeira sobre esse processo, entretanto, não é dos tais consultores, mas de quem os contrata e aciona. A mídia parece envergonhada de assumir determinadas posições e busca respaldo a opinião dos chamados especialistas para reforçar o que, na verdade, pretende passar. Em outros casos, procura dar um verniz erudito a determinados temas, de forma a valorizá-los. E o que constatamos, na maioria das vezes, é um festival de obviedades, o primado do achismo, nivelando-se aos piores debates esportivos. Nestes, pelo menos, permite-se o contraditório.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Nas mãos do destino

Presidência é destino e não projeto pessoal . Acreditava que a frase era de Ulisses Guimarães, mas ouvi recentemente de Aécio Neves. O que importa é que a tese contida na frase se confirma com a eleição de Dilma Roussef. Até ser ungida por Lula para concorrer a sua sucessão, apesar do nariz torcido de parte do PT, dona Dilma não havia disputado sequer uma eleição para síndica. A nova presidente era conhecida como uma gerentona, que ganhou fama de durona, exigente e por dar esporro nos subalternos que não andavam na linha.

Mas Dilma estava no lugar certo, na hora certa e tinha um padrinho de peso, que garantiu o aval partidário e a empurrou para a vitória, apesar do estilo tosco e da inexperiência eleitoral da candidata. Nesse processo, além de outros menos votados, foram caroneados José Dirceu, queimado pelo episódio do mensalão e Antonio Palocci, político experimentado e gestor reconhecido, mas sem força para e impor como candidato depois do escândalo que o defenestrou do ministério.

E Serra, que no cotejo de biografias está num patamar bem superior, passará a história como o melhor presidente que o Brasil não teve. Foi o destino interferindo no nosso futuro.

No passado não foi diferente, com resultados indesejáveis na maioria dos casos. João Goulart, por exemplo, assumiu a presidência com a renúncia de Jânio Quadros e deu no que deu: mais de duas décadas de ditadura.

Não tenho dúvidas que foi também o destino que conduziu o obscuro ex-governador de Alagoas à presidência, na primeira eleição após a redemocratização. Havia opções bem melhores naquela eleição: Brizola, Covas e mesmo Lula, mas foi para Collor, arrancando com 3% das intenções de votos, que os deuses eleitorais sorriram. O resto da história é conhecido. Sem base política e soterrado por denúncias de corrupção, Collor foi expurgado do Planalto. O destino levou, então, o vice Itamar Franco à presidência. Por linhas tortas, o destino acertou e Itamar legou-nos a estabilidade econômica que sustentou as duas eleições de FHC. Mas sabe quem Itamar preferia para sucedê-lo? Antonio Britto, que arrepiou e passou a bola para FHC, que estava no lugar certo, na hora certa, etc, etc. (Com o Plano Real, Itamar elegeria até um poste, que, convenhamos, não era o caso de FHC nem de Britto).

O caso mais emblemático é o da definição do vice de Tancredo Neves, ainda no período da escolha presidencial de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral. Tancredo preferia o deputado gaúcho Nelson Marchezan, mas o escolhido foi José Sarney. É que Marchezan decidiu manter a coerência ideológica e a fidelidade partidária não aceitando a indicação. O destino se intrometeu novamente, Tancredo morreu antes de assumir e acabamos penando seis anos com Sarney.

O grande dilema de ficarmos na mão do destino é que destino pode ser sinônimo de fatalidade ou de fortuna. O histórico nos mostra que nos casos em que interferiu na sucessão presidencial o Brasil mais perdeu do que ganhou. É que destino não tem compromisso com o futuro. Tomara que o futuro nos desminta no caso da nova presidente. Oremos!