sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Os chatos na minha vida

Na antiga redação da Zero Hora, o espaço destinado à barulhenta editoria de esportes ficava apartado do restante. O local era conhecido por Jaula, não sei se porque ali só coabitavam feras ou porque o formato da peça assemelhava-se a um abrigo de animais. Era uma espécie de longo corredor, cercado das mesas de repórteres e editores. Na hierarquia, a mesa do editor de esportes, na época (década de 80) o Emanuel Mattos e depois o Nilson Souza, situava-se ao fundo do corredor. Como eu era um dos subeditores, minha mesa era próxima, também no fundão.

Este preâmbulo, quase um nariz de cera, é necessário para relatar um dos meus penares: a capacidade de atrair chatos. As redações de jornais e a editoria de esportes em particular exercem um fascínio indescritível sobre o malario de todos os matizes - boleiros em fim de carreira, técnicos desempregados, gente dos esportes amadores pedindo espaço, mães e pais de atletas promissores, uma fauna, enfim. Naquela época e naquele cenário não era diferente.

A presença dos chatos proporcionava momentos hilários também. O queridíssimo Nilson Souza era vítima recorrente de uma brincadeira. O mala aparecia na porta da editoria e perguntava quem era o chefe. O pessoal apontava o Nilson, careca com tufos laterais de cabelos brancos, mas fazia uma advertência;

- Fala alto porque ele é meio surdo.

E lá se ia o chato ancorar na mesa do Nilson, aos berros:

- O SENHOR É QUE É O CHEFE?

Concentrado no trabalho, nas primeiras vezes o Nilson sempre levava um susto.

- Não precisa gritar, meu amigo, que eu não sou surdo.

Imaginem a cena: toda a redação parada, contendo o riso e esperando o desfecho da abordagem.

Porém, mais do que o Nilson, eu era vítima constante dos chatos de redação. O cara adentrava à Jaula, sem cerimônia, percorria todas as mesas e parava na minha, nos momentos mais inoportunos, trazendo as questões mais estapafúrdias e que não me diziam respeito. Isso sem contar a minha coleção particular de chatos, que não é pequena. Acredito que tenho um temperamento afável, por isso não hostilizo os vocacionados para a chatice, o que lhes passa a idéia de que sou receptivo aos seus papos e vou resolver seus problemas. Cria-se, então, um circulo vicioso: chato bem tratado vira reincidente e nunca mais larga do teu pé, aumentando gradativamente sua freqüência e suas demandas. O chato te adota.

Agora mesmo tenho sido visitado com assiduidade na repartição por um sujeito com o qual trabalhei anos atrás. Não importa o que eu esteja fazendo, ela senta na minha frente e começa um diálogo, que respondo educadamente mas por monossílabos, sem que ele pare de matraquear. Outro dia ele se superou e, quase aos berros, me avisou da porta de entrada:
- Tem um maluco aqui na porta querendo reformar o mundo. Como tem chato nesta vida, tu não achas?

Era só o que me faltava: o chato criticando o mala amalucado.

Até pretendia traçar um perfil com as principais características do chato, mas já acho que isso é dispensável. O chatonildo é reconhecível na primeira mirada ou assim que começa a falar. O que me preocupava, entretanto, era que a atração que exerço sobre essa fauna pudesse ser um indicativo forte de que eu também era um deles. Mas logo afastei a idéia porque chato odeia concorrência de outro chato, como vimos acima. Prefiro pensar que eles grudam em mim em razão daquela lei da física, segunda a qual os opostos se atraem.

Feriadão!

E eu trabalhando. Mundo injusto.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Toniolo Vive! - 2

Foi só eu lembrar o figuraço que foi o Toniolo para choverem manifestações de amigos comuns, relembrando outras passagens da vida deste personagem petropolitano que virou figura lendária da cidade. Descobri até que existia um site, com histórias em quadrinhos (toniolopichador.com.br), sobre as peripécias do amigo que conhecíamos por Aranha. Descobri também que o nosso bom Toniolo tem mais de 460 referências no Google, entre as quais uma musica que virou o hit em 2007 da banda Baby Doll, que se vangloria de ter inventado o “rock pornô”. (E eu que pensei que já tivesse visto tudo nesta vida). A música “Quem? Toniolo” não tem nada de pornografia, mas é uma exaltação ao rei da pichação, na sua versão mito. De acordo com os roqueiros, “Quem?Toniolo carrega a "identidade sonora" da banda, praticamente uma fusão do hard rock com o punk! Vai um trecho e o refrão:

Muros pichados, cartazes colados, cruzando o Estado
Ele vai se manter
Gênio maldito, um tipo esquisito, a lenda, o mito
Que todos querem ser
É procurado, um cara marcado, que já foi caçado
Agora eles vão ver
Luta sozinho, procura um caminho, espeta o espinho
Nos donos do poder

(Refrão)
Toniolo!!!
Diz pra mim qual é teu nome, o teu jogo
Quem é? Toniolo!!!
Cruzando a noite como um risco de fogo

Confesso que desconhecia essa música e outras citações ao Toniolo, inclusive em artigos, monografias e teses de mestrado. Assim, em letra, música, quadrinhos e outras manifestações, começa a se fazer justiça a um pioneiro, a um homem devotado a uma causa: a pichação de seu próprio nome em prédios, muros, calçadas e monumentos. É o momento de resgatar também a história de sua pichação mais audaciosa que cheguei a referir na crônica anterior, admitindo não saber se tinha sido bem-sucedida. Pois, fui pesquisar e encontrei uma matéria do site Terra, de 2006, que conta o episódio em detalhes:

Além de usar adesivos e pandorgas com o próprio nome (incluindo uma versão com lâmpadas, para exibições noturnas), Toniolo inovou ao avisar com antecedência seus ataques.
Em janeiro de 1984, último ano do regime militar no Brasil, ele anunciou no programa Guaíba Revista, então apresentado por Lasier Martins na rádio Guaíba AM:
- No dia 17 deste mês, às cinco da tarde, vou pichar o Palácio Piratini.
A notícia repercutiu. O então governador, Jair Soares, não quis pagar para ver, e colocou dezenas de policiais militares de prontidão em frente ao prédio. Para identificar o pichador, havia uma foto 3X4 obtida nos arquivos da polícia civil, onde ele trabalhara 17 anos. O retrato, defasado, mostrava-o cabeludo.
Na hora marcada, ninguém suspeitou do homem calvo que saía da Catedral Metropolitana e se dirigia à sede do governo, distante 50 metros.
- "Boa tarde, irmãos!"
A saudação confundiu os brigadianos, que deixaram passar quem eles acreditavam ser algum padre da paróquia. Tarde demais: Toniolo conseguiu pichar as letras T, O, N, I, O... assim que concluiu o "L", foi detido (foto). Deu tempo até para colocar o pingo no "I".
Encaminhado no mesmo dia ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, para avaliação, mais uma vez ele driblou seus captores. "Eu conhecia o pessoal do hospício, pois levava muita gente lá quando trabalhava no Estado". Assim que chegaram ao famoso endereço na avenida Bento Gonçalves, adiantou-se vários passos à frente da dupla de policiais civis que o conduzia e, espertamente, alertou na recepção:
- Estou trazendo dois dementes com "mania de policial": segurem-nos, enquanto vou buscar os documentos que esqueci na viatura, e tomem cuidado, pois eles são perigosos!
Com a inversão de papéis, os plantonistas correram em direção aos agentes, agarrando-os como se fossem mais dois candidatos à camisa-de-força. Quando desfeito o equívoco, era tarde demais. O ex-escrivão tinha escapado pelos fundos do prédio.
Em novembro do mesmo ano, ele divulgou que sua próxima investida seria contra o Palácio do Planalto, mas foi preso logo após deixar Porto Alegre no ônibus que o levaria a Brasília/DF. "Dessa vez, eu sabia que seria preso, e o objetivo era esse mesmo", revela. O mais incrível é que, até hoje, não se sabe como o nome "Toniolo" foi aparecer pichado no mesmo local e data prometidos.”

Pelo relato, já deu para perceber que o homem era fera. Só que, para mim, ainda está em aberto a principal questão: onde anda o Toniolo?

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Toniolo Vive!

Onde anda o Toniolo, primeiro pichador massivo da cidade? Ainda hoje é possível observar em prédios, muros ou monumentos a assinatura dele: “Toniolo”, em letra caprichada e em tinta não lavável. Ou então, “Toniolo voltará”. Havia até uma desconfiança de que outros pichadores, tal a admiração que nutriam por esse ícone do vandalismo, estavam se aproveitando para disseminar pela cidade o nome do precursor da classe. Dividiam espaços, então, com uma outra pichação – “Cecalanto” –, que ninguém sabia do que se tratava. É bem verdade que havia uma uniformidade nos escritos do Toniolo. Registre-se também que em determinada época, diante da repressão a sua atividade transgressora, o nosso Toniolo passou a desafiar as autoridades, prometendo pichar prédios públicos como o Palácio Piratini. A memória me trai, porque não lembro se chegou a cumprir a ameaça. E assim o Toniolo transformou-se na própria lenda urbana e, como tal, muita gente desacreditava da existência dele.

Agora, posso revelar: eu convivi com o Toniolo. Eu e todo o bairro Petrópolis. Chamava-se Sérgio Toniolo, mas nós o conhecíamos por Aranha, apelido que pegou, acho eu, pela forma como caminhava, desengonçado como um aracnídeo. Pois o nosso Aranha era filho de uma tradicional família do bairro e irmão mais velho do Silvio, um craque varzeano, mas diferente do mano, meio campista dos bons, nosso personagem era um futebolista apenas mediano. Porém, tinha rasgos de jogador moderno, eis que era um lateral apoiador, quase um ala do futebol atual: recebia a bola, avançava em direção ao ataque, mas nunca mais voltava, deixando todo o seu setor vulnerável aos contra-ataques. Como tinha fama de brigar bem, embora dificilmente se exaltasse, a gente pegava leve com ele, até porque era bom papo e gente do bem.

Um dia Aranha fez concurso para a Polícia e passou. Foi lotado numa delegacia qualquer como inspetor ou investigador e tudo indicava que teria uma carreira promissora a serviço da segurança dos cidadãos. Mas o Aranha era do tipo invocado, que não levava desaforo para casa. E certa noite, depois de um churrasco da turma na casa de meus pais, saiu o Aranha a pernear, como de hábito, pela avenida Protásio Alves, até que foi abordado por uma dupla de PMs que fazia a ronda no bairro. Os brigadianos provavelmente desconfiaram do Aranha a vaguear solito àquela hora da noite. E ele era realmente uma figura, digamos, estranha. Andava rente as paredes, parecendo que escapava, sorrateiro, de perseguidores imaginários. Nesse cenário, acontece a abordagem dos brigadianos. Os perseguidores imaginários materializavam-se, na cabeça do Aranha, em forma de uma dupla fardada. É importante esclarecer que existia na época uma rixa muito forte entre Brigada Militar e Polícia Civil, porque recém fora extinta a Guarda Civil e a BM assumiu todas as funções de policiamento ostensivo. Ao interpelarem o Aranha, os PMs certamente desconheciam que estavam diante de um representante da corporação civil. Estabeleceu-se então um diálogo que reproduzimos agora, numa versão livre e ligeiramente dramatizada:

- Os documentos, cidadão.
- Que documentos? Documentos pra que?
- Vamos, mostra logo os documentos.
- Não vou mostrar.
- Que que tu tá fazendo a essa hora da noite na rua?
- Não te interessa.
- Então nós vamos te prender. Vai te explicar na delegacia.
- Vem, então, Pé-de-Porco.

Pé de Porco era ofensa grave aos integrantes da briosa BM. Diante do desacato, o primeiro brigadiano avançou em direção ao Aranha, que se safou com agilidade e sacou do seu 38 (ou seria um 32?). De arma em punho, desafiou os PMs:

- Vem agora, vem, que eu vou furar voces.

A versão mais difundida do caso dá conta que um dos brigadianos, cônscio do cumprimento do dever, não se intimidou e partiu pra cima do Aranha. Ouviu-se então um tiro que ecoou na noite petropolitana. O Aranha havia disparado seu 38 (ou 32) em direção ao brigadiano, quase à queima roupa. Antes do desfecho do entrevero, é preciso explicar um detalhe fundamental. Na época, o fardamento da Brigada incluía um cinturão largo, com uma grande fivela de metal. Pois, para sorte do Aranha e do PM foi na fivela que a bala ricocheteou. Os brigadianos não revidaram, até porque o que estava na cobertura, certo de que seu parceiro fora mortalmente atingido, foi socorrê-lo, permitindo que o atirador se escafedesse na escuridão.

Dez minutos depois, quem bate a porta do solar dos Dutra, na rua Ivo Corseuil? O Aranha, muito nervoso e gaguejante:

- Acho que matei um brigadiano lá na perto do Colégio Santa Inês. Preciso me esconder porque os Porcos vem atrás de mim.

E reproduziu o sucedido, que serve de base para essa narrativa. Em seguida, despediu-se e sumiu na noite de Petrópolis. O conflito com os brigadianos resultou em inquérito, o Toniolo foi punido, ficou afastado do serviço por um bom tempo e se desencantou com a atividade policial. Desde então ficou mais arredio do que nunca. Acredita-se que foi esse episódio e seus desdobramentos na carreira, que contribuíram decisivamente para que o Aranha se transformasse de agente da lei em transgressor da lei. Particularmente, nunca mais ouvi falar do bom Aranha.

Por isso, acho que esta na hora, antes que se perca nos descaminhos da memória, de resgatar a figura do Toniolo, elevando-a a dimensão de um Elvis, de uma Elis. A legião de admiradores deste pioneiro deve ficar marcada, não mais com pichações e sim com elegantes e coloridos grafites, para que todos os espaços disponíveis exclamem – “Toniolo Vive!”. De fato.

Recomendo

Será aberta na terça-feira, 27, a exposição “Os Gaúchos nas Copas”, na Usina do Gasômetro. São 24 painéis contando, com fotos e textos, a história das 18 Copas do Mundo já realizadas e a participação dos gaúchos. Acho que tem dedo do Cláudio Diestmann na seleção do material.

Filosofia do Natalício

Esta é do gênero politicamente incorreto:

“Onde vamos parar? Até Papai-Noel anda saindo com veados…”

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Faro fino e outras artimanhas

Diga-me o que bebes e te direi quem és. Adapto um velho ditado para relatar a história que me foi contada por uma amiga, ocorrida durante encontro de um grupo de casais. Uma das moças do grupo apresentava seu novo namorado, jovem bem apessoado, e logo nas apresentações surgiram dúvidas sobre a masculinidade do rapaz. Mulher é bicho esperto e logo sente quando algo diferente paira no ar. Foi o sucedido neste episódio. Nas escapadas ao banheiro – mulher sempre vai ao banheiro em bando – a maledicência correu solta:

- Será que ele é? Indagava uma.
- Jeitinho ele tem, completava outra.
- Coitada da fulana, não dá sorte mesmo, solidarizava-se uma terceira.

Do bar ao banheiro, do banheiro à pista de dança, a conversa girava sempre em torno do mesmo assunto. Os olhos femininos não desgrudavam do sujeito e os ouvidos estavam mais aguçados do que nunca, a espera de uma falseta. É bem verdade que as atitudes do rapaz ajudavam. Gestos afetados, olhares fugidios para outros rapazes, pouca interação afetiva com sua parceira, tudo isso contribuía para aumentar as suspeitas do mulherio. Mas o que confirmou mesmo o que elas suspeitavam ocorreu na hora de pedirem a primeira rodada de bebidas. As mulheres preferiram espumante ou refrigerante, os homens cerveja ou vinho. Quando chegou a vez dele, o pedido provocou espanto:

- Pra mim um Cooler. De Pina Colada, please. Adoro bebidinhas alcoólicas adocicadas!

As mulheres se entreolharam e não precisaram dizer mais nada. Era!
Relato a história não para fazer juízo de valor sobre o que seria um comportamento preconceituoso dessa minha amiga e de suas colegas, mas para destacar esse fino faro feminino para distinguir o detalhe que faz a diferença. Entretanto, há outro aspecto que os pretendentes às moças dessas confrarias femininas, devem estar atentos: só com a aval das confrades a relação tem chances de prosperar. É preciso primeiro conquistar as amigas, para depois consolidar o relacionamento com a musa escolhida.

Oferecer caronas a todas, mesmo que cada uma more em extremos da cidade, pagar as contas em bares e restaurantes, interessar-se por aquelas conversas femininas sem nenhum conteúdo, enfim, interagir com o grupo, sem ser muito saliente, são iniciativas apreciadas por esse verdadeiro tribunal de inquisição. Porém, se o ritual não for seguido, recomenda-se uma boa estratégia de contramedidas para as sabotagens que virão, e virão insidiosamente como só as mulheres sabem fazer. Nada será feito às claras, mas a desqualificação da vítima estará implícita em cada gesto, em cada frase. Exemplos: o moço engrena uma conversa e é abruptamente interrompido, com a troca para um assunto nada a ver. Ou, então, o sujeito tenta puxar conversa e a outra parte faz cara de paisagem, como se a pessoa não existisse. Pior são as frases soltas, as indiretas, as histórias que se referem a terceiros, mas que buscam analogia com o alvo escolhido.

- Sabe a Fulana? Flagrou o namorado na saída de um bar gay, aos beijos e abraços com um garotão. Tem mulher que é cega...

- E a Beltrana que me confidenciou que o namorado não dá no couro. Mas não espalha porque ela me contou em segredo.
- Conheço cada casal estranho. Um não tem nada a ver com o outro. Não sei como continuam juntos...

E por aí vai a maledicência, sempre evitando o confronto direto, tanto assim que o moço que caiu em desgraça não terá direito nem a ser nominado, passando a ser tratado por “aquele outro”.

Na verdade, essa ação nefasta tem outra vítima: a moça pretendida, que fica impotente diante do comportamento das amigas. Ela pode estar apaixonada pelo sapo que imagina príncipe, mas jamais vai contrariar o veredicto das confrades, que decretaram que o príncipe é sapo, sem direito a apelação. Caso contrário, vai penar no limbo das relações entre as suas iguais e isso mulher alguma consegue aceitar.

Na maturidade, a situação tende a ser pior. Imaginem um grupo de peruas descasadas sendo apresentadas para o novo namorado de uma delas, que depois de muita batalha conseguiu desencalhar e está convencida que encontrou finalmente sua alma gêmea. Acompanhem agora as impressões das amigas sobre o cidadão;

- Tem todo o jeito de ser casado e cheio de filhos.
- Sei não, acho que é gay.
- Tem cara de pé rapado.
- Xiii, é parecido com o meu ex, que era uma boa porcaria.

E lá se vai mais uma alma gêmea para o purgatório, senão para o inferno.
Nada contra o sujeito. É que mulher mal-revolvida e carente detesta a felicidade alheia e parte do pressuposto que cada uma que se emparceira de novo, é uma a menos na confraria. E aí é que vem o grande temor, a maldição das maldições: será que vou sobrar só eu?

Publicado originalmente em Coletiva.net, em julho de 2009

Filosofia do Natalício

Esta é típica de para-choque de caminhão:

" As mulheres perdidas são as mais procuradas."

Recomendo

“Fronteiras do Pensamento” apresenta na segunda-feira, 26, a conferência da psicanalista Maria Rita Khel. O tema é “Depressão: a face contemporânea do mal estar na civilização”. Às 19h30, no Salão de Atos da UFRGS. E dia 16 de novembro, encerrando a série, tem Tom Wolfe. Imperdíveis.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Ouvindo conversa alheia

Sou fascinado por aqueles retalhos de conversa que ouço nas caminhadas matinais por Ipanema ou quando circulo pelo Centro da cidade. Para mim, a mais instigante das frases incompletas, ao cruzar pelos outros passantes, é “...aí eu disse assim pra ele...”. Juro que me dá vontade de voltar e interpelar os responsáveis pelo diálogo: “E aí, o que foi dito?”. Mas fico constrangido e preocupado com a reação diante da interferência indevida naquele momento de comunhão e intimidade, ainda mais quando são mulheres. Acabo me torturando por não saber o significado e a continuidade do diálogo.

Essa obsessão para compartilhar conversas alheias me acompanha há anos e cheguei a sugerir ao Nilson Sousa, meu cronista preferido, que produzisse um texto sobre o tema, ele que é um contumaz caminhante da zona sul. Claro que o talentoso Nilson, como sempre, escreveu uma crônica irretocável que tentei recuperar, sem sucesso.

Vida que segue, outro dia no supermercado flagrei o desfecho da conversa da menina do caixa com uma colega. “Aí ela me contou que...” e baixou o tom de voz, a infeliz, tornando inaudível para mim o que teria contado interposta pessoa. Depois, novamente em voz alta, acrescentou: “Chocante, não?”. Eu quase esgoelei as duas, eu quase implorei de joelhos que me revelassem o chocante segredo sussurrado, mas me contive. O que a pessoa teria dito? Quem era o interlocutor da incisiva sentença? O que aconteceu depois? A angústia por não ter respostas às indagações das meias conversas me atormenta pelo restante do dia. Mas como tudo na vida tem seu lado positivo, o que não capturo dos diálogos me permite fantasiar situações e criar histórias para completar o relato.

A partir dos fragmentos, imagino grandes tramas, graves conflitos, conspirações diabólicas, intrincados dilemas, enfim, homens e mulheres enfrentando momentos decisivos de suas existências. Se não houver grandeza, a fantasia não vale a pena. E quem sabe a fantasia não corresponde à realidade e os relatos entrecortados tenham, para esses populares, uma magnitude que nós não conseguimos alcançar?

Outro aspecto interessante que me chama a atenção é que o narrador das conversas jamais é um perdedor e sempre sai em vantagem diante do outro participante do relato. Um exemplo típico é a descrição daquele embate, provavelmente contra o chefe, em que o passante diz para seu parceiro de caminhada: “Agora ele sabe que comigo é mais embaixo”. E eu fico imaginando no que vai dar esta queda de braço. Um deles certamente vai para a fila do SINE.

Igualmente muito comum é o diálogo entre duas jovens senhoras, tagarelando no calçadão de Ipanema: “Tu nem sabe o que o patife apresentou desta vez”. Imagino sempre o pior, histórias de infidelidade conjugal, flagrantes de adultério do patife ou algo do gênero. Lamento, mas neste caso não consigo pensar em nada que não seja sacanagem. Da mesma forma quando ouço, à passagem dos garotões sarados, um deles exclamando: “Cara, que noite!”. Só posso imaginar uma noitada de luxuria e aí o sentimento que se apossa de mim é o da inveja. E tem aquela clássica frase, também parte de diálogo entre homens: “Convidei a fulana para sair e ela...”. E aí? A fulana aceitou ou não? Se aceitou, o que rolou depois? Valeu a pena a investida? Dependendo da cara do sujeito, fico torcendo para que ele tenha sido bem sucedido, mas já me censurei por agourar o suposto caso, imaginando que o pervertido se deu mal e a mocinha se livrou de uma roubada.

Fazia essas divagações quando lembrei de uma cara amiga. É que ela não consegue entender essa minha curiosidade, certamente resquício da formação do repórter que um dia fui, e costuma reprimir minhas tentativas de aguçar os ouvidos em busca de esclarecimentos sobre os insondáveis conteúdos das conversas alheias. A amiga me acusa de abelhudo, de invasivo, de inconveniente, mas a verdade é que ela também fica atenta como uma corujinha às conversas, só que banca a dissimulada. Ela não reconhece minhas qualidades de observador da cena quotidiana e não valoriza o saudável exercício diário de entender o comportamento humano a partir de diálogos incompletos, confissões entre amigos, segredos de pequenos universos, vivências compartilhadas. E que jogue a primeira pedra quem nunca prestou mais atenção do que devia nas conversas alheias.

Filosofia do Natalício

O Boteco Natalício é um simpático e barulhento bar ali da Cidade Baixa, com as paredes cobertas de ditos populares ou frases de para-choque de caminhão, como esta bobagem:

“Quem tem olho gordo, usa colírio diet.”

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Mulher de Óculos Escuros – final

Recomenda-se ler a primeira parte, publicada ontem.

Não se conhecem os desdobramentos futuros do caso, mas o fato é que a moça se acalmou e se retirou do ambiente fúnebre, com o Junior a tiracolo. Assim a família e os amigos puderem prantear seu ente querido sem outras interferências. A família, na verdade, estava vexada com o incidente. Todos sabiam que o falecido não era o que se poderia classificar de cidadão e chefe de família exemplar, mas daí a constituir outro lar no paralelo passava das medidas. Certamente o ocorrido já estava na boca do povo e seria motivo de muitas conversas entre as comadres e nas mesas de bares, uma situação insuportável. Já os amigos, testemunhas ou companheiros de algumas farras do falecido, não estavam nem aí para o constrangimento da família. Nessa hora é que a gente sabe quem são os verdadeiros amigos, pensou Sivaldo, com uma ponta de amargura.

Todas essas preocupações não saiam da cabeça do bom Sivaldo cada vez que imaginava como seria sua passagem para outra dimensão. Tinha claro que a família seria a principal vítima se houvesse algum escândalo como o ocorrido com o parente. Coitados, teriam que administrar um legado inconveniente e indesejado. Foi então que começou a fazer uma retrospectiva das vezes em que pulou a cerca, tentando identificar potenciais fatores e pessoas de risco.

Ele tinha certeza de que não apareceria nenhuma ex com filho no colo, a não ser que fosse armação, que um simples exame de DNA desmentiria, embora não evitasse o vexame e o diz-que-diz no velório. “Afasta-te de mim, pensamento diabólico”, dialogava internamente. Sivaldo sabia que uma ex, no oficial ou no paralelo, era encrenca para a vida toda, inclusive na hora da passagem para a vida eterna.

Ao passar a limpo a vida pregressa, registrou poucas transgressões, mas algumas foram bem escabrosas e outras bizarras. Ele lembrava bem o caso com uma contorcionista de um circo mambembe, que conhecera num boteco após a matiné. A moça atuava também como ‘partner’ do domador das feras e nas horas vagas fazia contorcionismos na cama e ronronava como um felino. O caso durara exatos 15 dias, o tempo de permanência do circo na cidade, mas suficiente para encontros diários num hotelzinho barato perto de onde as lonas circenses estavam instaladas. Não, pensou, essa não vai dar trabalho, o circo já deve ter sido desfeito e a moça provavelmente está exercitando seu sotaque castelhano, com viés catarinense, em outras plagas.

Depois veio o caso com aquela ex-freira, carente de afeto e de sexo, que decidiu descontar com ele os atrasados. O caso não prosperou por muito tempo porque a moça, ainda apegada aos preceitos religiosos, recusou-se a atender um fetiche dele para comparecer a um encontro vestida com o hábito de freira. Achava, entretanto, que a ex-freira, até pela sua formação, não se prestaria a um escândalo, mesmo porque agora dividia seus lençóis, devidamente casada, com um ex-seminarista.

Teve ainda aquele caso com aquela garçonete que precisava tomar um longo banho após a lida no restaurante e antes da lida sexual para minimizar o cheiro de fritura impregnado no corpo dela. Mesmo assim, às vezes ele achava que estava transando com uma batata frita ou um filé à parmegiana. Mais tarde, descobriu que ela dividia seus favores sexuais também com o marido de uma amiga, conforme confissão do próprio, o que conduzia a situação a um dilema: quem era o outro da outra? A garçonete talvez viesse a incomodar, mas ele torcia para que o marido da amiga fosse importunado em seu velório antes do que ele.

Registrava, com um misto de saudade e preocupação, o caso com aquela socialite casada, que lhe dava boa vida e todos os prazeres sexuais imagináveis. Foi o único caso com mulher casada e o escabroso da história é que o marido sabia e aparentemente não se importava com o relacionamento extraconjugal da mulher, tanto assim que os encontros eram na bela cobertura do casal. O caso terminou no dia em que o marido invadiu o quarto onde transavam e quis participar da brincadeira, insinuando-se mais para o amante do que para a mulher. Aí já era muita devassidão e Sivaldo tinha valores a preservar. A socialite, com sua coleção de óculos escuros de todas as grifes, era um perigo em potencial.

Começou a pensar em casos mais recentes e as preocupações aumentaram. Entre outros, houve aquele envolvimento com uma colega mais moça, que ele lutou muito para conquistar e depois viver uma relação de mais de três anos. Foi um relacionamento intenso e tumultuado. Intenso porque se permitiam tudo e tumultuado porque eram muito diferentes em quase tudo e só convergiam mesmo na hora do sexo. O rompimento fora traumático e isso deveria acender o alerta, mas conhecia bem o estilo da moça e ficava mais tranqüilo. Era uma dissimulada e se comparecesse ao enterro o faria com muita discrição e um belo óculos escuros, só para ter certeza de que estava mesmo morto.

Puxa, tão poucos casos e tanta angústia. Mas só de pensar no assunto, começou a sentir fortes dores no peito. “Será que chegou a minha hora?”, apavorou-se. “Vou ter que ligar para os meus irmãos para alertar sobre a mulher de óculos escuros...”

A Mulher de Óculos Escuros – final


Recomenda-se ler a primeira parte, publicada ontem.

Não se conhecem os desdobramentos futuros do caso, mas o fato é que a moça se acalmou e se retirou do ambiente fúnebre, com o Junior a tiracolo. Assim a família e os amigos puderem prantear seu ente querido sem outras interferências. A família, na verdade, estava vexada com o incidente. Todos sabiam que o falecido não era o que se poderia classificar de cidadão e chefe de família exemplar, mas daí a constituir outro lar no paralelo passava das medidas. Certamente o ocorrido já estava na boca do povo e seria motivo de muitas conversas entre as comadres e nas mesas de bares, uma situação insuportável. Já os amigos, testemunhas ou companheiros de algumas farras do falecido, não estavam nem aí para o constrangimento da família. Nessa hora é que a gente sabe quem são os verdadeiros amigos, pensou Sivaldo, com uma ponta de amargura.

Todas essas preocupações não saiam da cabeça do bom Sivaldo cada vez que imaginava como seria sua passagem para outra dimensão. Tinha claro que a família seria a principal vítima se houvesse algum escândalo como o ocorrido com o parente. Coitados, teriam que administrar um legado inconveniente e indesejado. Foi então que começou a fazer uma retrospectiva das vezes em que pulou a cerca, tentando identificar potenciais fatores e pessoas de risco.

Ele tinha certeza de que não apareceria nenhuma ex com filho no colo, a não ser que fosse armação, que um simples exame de DNA desmentiria, embora não evitasse o vexame e o diz-que-diz no velório. “Afasta-te de mim, pensamento diabólico”, dialogava internamente. Sivaldo sabia que uma ex, no oficial ou no paralelo, era encrenca para a vida toda, inclusive na hora da passagem para a vida eterna.

Ao passar a limpo a vida pregressa, registrou poucas transgressões, mas algumas foram bem escabrosas e outras bizarras. Ele lembrava bem o caso com uma contorcionista de um circo mambembe, que conhecera num boteco após a matiné. A moça atuava também como ‘partner’ do domador das feras e nas horas vagas fazia contorcionismos na cama e ronronava como um felino. O caso durara exatos 15 dias, o tempo de permanência do circo na cidade, mas suficiente para encontros diários num hotelzinho barato perto de onde as lonas circenses estavam instaladas. Não, pensou, essa não vai dar trabalho, o circo já deve ter sido desfeito e a moça provavelmente está exercitando seu sotaque castelhano, com viés catarinense, em outras plagas.

Depois veio o caso com aquela ex-freira, carente de afeto e de sexo, que decidiu descontar com ele os atrasados. O caso não prosperou por muito tempo porque a moça, ainda apegada aos preceitos religiosos, recusou-se a atender um fetiche dele para comparecer a um encontro vestida com o hábito de freira. Achava, entretanto, que a ex-freira, até pela sua formação, não se prestaria a um escândalo, mesmo porque agora dividia seus lençóis, devidamente casada, com um ex-seminarista.

Teve ainda aquele caso com aquela garçonete que precisava tomar um longo banho após a lida no restaurante e antes da lida sexual para minimizar o cheiro de fritura impregnado no corpo dela. Mesmo assim, às vezes ele achava que estava transando com uma batata frita ou um filé à parmegiana. Mais tarde, descobriu que ela dividia seus favores sexuais também com o marido de uma amiga, conforme confissão do próprio, o que conduzia a situação a um dilema: quem era o outro da outra? A garçonete talvez viesse a incomodar, mas ele torcia para que o marido da amiga fosse importunado em seu velório antes do que ele.

Registrava, com um misto de saudade e preocupação, o caso com aquela socialite casada, que lhe dava boa vida e todos os prazeres sexuais imagináveis. Foi o único caso com mulher casada e o escabroso da história é que o marido sabia e aparentemente não se importava com o relacionamento extraconjugal da mulher, tanto assim que os encontros eram na bela cobertura do casal. O caso terminou no dia em que o marido invadiu o quarto onde transavam e quis participar da brincadeira, insinuando-se mais para o amante do que para a mulher. Aí já era muita devassidão e Sivaldo tinha valores a preservar. A socialite, com sua coleção de óculos escuros de todas as grifes, era um perigo em potencial.

Começou a pensar em casos mais recentes e as preocupações aumentaram. Entre outros, houve aquele envolvimento com uma colega mais moça, que ele lutou muito para conquistar e depois viver uma relação de mais de três anos. Foi um relacionamento intenso e tumultuado. Intenso porque se permitiam tudo e tumultuado porque eram muito diferentes em quase tudo e só convergiam mesmo na hora do sexo. O rompimento fora traumático e isso deveria acender o alerta, mas conhecia bem o estilo da moça e ficava mais tranqüilo. Era uma dissimulada e se comparecesse ao enterro o faria com muita discrição e um belo óculos escuros, só para ter certeza de que estava mesmo morto.

Puxa, tão poucos casos e tanta angústia. Mas só de pensar no assunto, começou a sentir fortes dores no peito. “Será que chegou a minha hora?”, apavorou-se. “Vou ter que ligar para os meus irmãos para alertar sobre a mulher de óculos escuros...”


Filosofia do Natalício

Está de volta, com esta pérola:

"Estudos comprovam que a posição sexual que os casais mais usam é a de cachorrinho : o marido senta e implora...a mulher rola e finge de morta."

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A mulher de óculos escuros

“É ficção, mas não custa alertar”

Sivaldo, funcionário público, meia idade, era muito preocupado com o que escreveriam no seu obituário, se é que mereceria algumas linhas destacando sua trajetória pessoal e profissional. Sabia que não haveria muito a dizer, além dos registros obrigatórios, sua preferência clubística, onde trabalhou, um ou outro projeto em que esteve envolvido, talvez a opinião generosa de algum ex-colega ou familiar. Não, certamente ele não mudara o mundo nem influenciara pessoas.

O que Sivaldo temia, na verdade, era a possibilidade de eventos com potencial de escândalo no seu enterro. Traduzindo: presenças femininas indesejáveis. Por isso, tratou de se prevenir e foi enfático na recomendação a seus irmãos e a um amigo de fé:

- Se aparecer alguma mulher de óculos escuros, que vocês não conheçam, façam o que for necessário para tirar ela do recinto. Não quero escândalo no meu velório.

A preocupação se justificava. Queria preservar a família, a futura viúva e os filhos, de um vexame na hora da dor. Ele não estaria lá para se explicar, a não ser amorfamente como defunto, incapaz de reagir a um potencial barraco. Por isso, insistia com os irmãos.

- Não quero escândalo no meu velório. Cuidado com as mulheres de óculos escuros.

Tinha uma implicância com mulher de óculos escuros em velórios e enterros. Achava que os óculos encobriam olhares irônicos, cínicos ou ressentidos, próprios de uma ex, em relação ao morto e os presentes no ato fúnebre. Olhares do tipo “eu sei que vocês sabem quem sou e o que sei”.

Ainda estava vivo na sua memória o acontecido com um parente, encontrado morto em circunstâncias suspeitas – numa cama de motel, dentro do carro, jogado na rua, eram as versões, mas sempre ressalvando que ostentava um último esgar de satisfação.

Sucede que no dia do enterro do parente, um primo distante, apareceu a outra, calça jeans apertada,com os temíveis óculos escuros, dos bem grandes, e um filho no colo, exigindo seus “dereitos”. Não dava para negar a descendência: a criança, com dois ou três anos, era a miniatura do defunto, o mesmo cabelo encaracolado, o nariz levemente achatado e os olhos vigilantes do ex-parente. E a mãe ainda batizara-o de Junior, agregado ao nome do “pai”. Cildo, de Oracildo, Junior.

Então, aconteceu a cena clássica e patética. A mulher se debruçou sobre o caixão, com o Cildinho chorando no colo e gritava:

- Me leva junto, mor. A vida não tem mais sentido pra mim e pro Junior. Nós queremos estar contigo para sempre. Leva a gente, mor! assim mesmo, na forma reduzida de amor.

Não se viu uma lágrima derramada pela moça, talvez por causa daqueles enormes óculos de camelô, certamente um presente do falecido. Mas a dramatização era convincente.

- O que vai ser de mim e do Junior agora que ele nos deixou, choramingava a moça.

O velório virou um fuzuê. A viúva teve um faniquito e os filhos do ex-parente, já taludos, queriam partir para a agressão à incômoda visitante. Como mais alta autoridade presente no recinto, foi chamado a intervir.

- Minha senhora, permita que eu lhe explique algumas coisas, mas fora daqui, abordou jeitoso.

- O senhor não entende. O que aconteceu foi uma desgraceira. O que será de mim e do Junior agora, insistia a inconveniente.

O burburinho do ambiente já tomava proporções incontroláveis e ele negociando com a moça.

- Minha Senhora, vamos lá fora conversar. O Oracildo falava muito bem da senhora e deixou instruções para que a gente cuidasse do caso, se ele viesse a faltar, continuou cerimonioso, insinuando providências prévias que nunca foram tratadas.

- Ah, é? Ele falou de mim e do Junior? O que ele disse? O que ele pediu?

A moça agora estava acesa com a possibilidade de algum legado deixado pelo falecido.

(continua)

Na Bienal

Em meio a muita fajutice metida à arte, deparei na Bienal do Mercosul com uma preciosidade, a instalação Monumentos Vandalizáveis. O artista (Juan Carlos Martinat) reproduziu prédios públicos de Porto Alegre e Brasília e entregou aos pichadores, que não pouparam ninguém e nem os logotipos da Gerdau e do Banrisul, patrocinadores da mostra. Anotei três pichações:
"Cala a boca Galvão"
"Tia Carmem para presidente"
"Lula só usa terno Armani".
Ah, não faltou "Fora Yeda".

Confraria

A lendária Confraria da Caveira Preta se reúne nesta terça-feira à noite no Copacabana. Reputações à perigo !

sábado, 17 de outubro de 2009

Noveleiro

Este rapaz que interpreta os gêmeos na novela das 8 consegue ser canastrão em dose dupla.

Esportiva

Ouvido pela manhã, na caminhada pelo calçadão de Ipanema:

"Para os gremistas estarem com saudade do Celso Roth é porque a coisa tá feia para o imortal tricolor".

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Circo de Petrópolis: O Sequestro do Bonde

A mesma turma do bairro Petrópolis que trocava por palavrões os letreiros do cinema Ritz ( O Circo de Petrópolis: Sessão da tarde no Ritz) decidiu, numa noite de tédio, buscar novas emoções. Na prática, planejaram seqüestrar o bonde Petrópolis, cujo fim da linha ficava na esquina da Protásio Alves com a Carazinho.

A linha do bonde Petrópolis era dupla até a João Abott e ali derivava para uma única linha até o destino final, em frente ao Bar Forianópolis, a meia quadra do cinema e da igreja. No fim da viagem, antes de tomar um mé ou um cafezinho, o motorneiro e o cobrador providenciavam a inversão da haste que ligava o veículo à rede elétrica para permitir o retorno ao centro da cidade. Os zelosos funcionários tratavam de levar junto a alavanca que funcionava para arrancar e dar velocidade aquele monstro. A tal alavanca, embutida num equipamento da cabine, era um misto de chave de ignição, guidão, acelerador e freio.

Conhecendo bem esses procedimentos, a turma de Petrópolis ficou noites e noites na campana, esperando um vacilo dos condutores do bonde. Foi então que num sábado, tarde da noite, o motorneiro esqueceu a alavanca, já engatada no dispositivo da cabine, quando foi bater ponto no Florianópolis. De imediato, três rapazes assumiram o controle do elétrico, acionaram a alavanca e saíram em disparada rumo ao centro.

Os relatos dão conta de que cinco passageiros já estavam embarcados. Cinco apavorados passageiros a mercê daqueles tresloucados e sem poder desembarcar. Mas o seqüestrador que fazia às vezes de cobrador tratou de acalmá-los, anunciando: “Hoje é de graça, minha gente”. Sem saber, estava inventando o passe livre.

Pelo menos duas paradas separavam o fim da linha do entroncamento da João Abott, mas o bonde passou por elas em alta velocidade. As raras pessoas que aguardavam o transporte se surpreenderam com a passagem daquele bonde conduzido por homens sem o uniforme caqui da Carris. E ainda por cima passavam abanando e as gargalhadas. Quando se deram conta do rapto, o motorneiro e o cobrador saíram correndo atrás, acenando freneticamente e gritando para que parassem e devolvessem o veículo. Uma cena de filme! Mas o bonde já tinha ganhado uma boa dianteira e ali pela esquina da rua Ijuí a dupla cansou e ,cada vez mais aflita, decidiu seguir a passo para tentar resgatar o carro perdido.

Enquanto isso, na altura da bifurcação da João Abott, os seqüestradores não souberam realizar a manobra que desviava o bonde para a segunda linha, pararam o veículo e sumiram na escuridão, cada um para um lado. Os passageiros que estavam embarcados, ainda em pânico, aproveitaram para também debandar. Duas ou três pessoas que aguardavam o transporte na parada da João Abott ficaram sem saber se subiam naquele bonde-fantasma, estacionado fora de lugar, com as luzes acesas mas sem motorneiro nem cobrador. A dupla chegou em seguida, já sem fôlego e, após verificar se havia estragos, tratou de rumar para o centro, vexada com o ocorrido.

Claro que no dia seguinte o seqüestro do bonde Petrópolis foi o assunto em todas as rodas. A história era contada e recontada e, com o passar dos anos, ganhou a condição de lenda urbana. Há versões, evidentemente equivocadas, de que o Tadeu e eu, só porque éramos conhecidos como Irmãos Diabo, teríamos liderado a gang que realizou o seqüestro. Repito, não é verdade. Nego, peremptoriamente. Nós sabemos quem foi e o que fizeram naquele verão do passado.

A propósito...

Quando eu era criança, achava que o cobrador do bonde, com todo aquele dinheiro na mão, era o cara mais rico do mundo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Circo de Petrópolis: Sessão da tarde no Ritz

"Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona".

O cinema Ritz, em frente a Igreja São Sebastião, no bairro Petrópolis, faz parte das minhas mais caras lembranças da infância e da juventude. Com seu estilo vagamente ‘art noveau’, o Ritz tinha a magia dos cinemas antigos, com suas duas grandes fileiras de poltronas estofadas e um mezanino. À espera das sessões ouvia-se uma trilha de músicas clássicas e o início era precedido de um gongo, com três batidas que pareciam sincronizadas com a seqüência de luzes a se apagar. Fazia parte do circuito do R – Rio, Ritz, Rosário e Rival, os cinemas da mesma rede que exibiam, em bairros distintos, os mesmos lançamentos.

A sessão começava com os complementos: as Atualidades Francesas com as notícias do mundo, as antológicas edições do Canal 100, especialmente os jogos cariocas, com narração do Cid Moreira, às vezes um desenho animado e sempre os ‘trailers’ dos próximos filmes a serem exibidos.

Foi no Ritz que assisti aos filmes mais antigos de um de meus diretores preferidos, o inglês David Lean, os épicos A Ponte do Rio Kwai e, o melhor de todos, Lawrence da Arábia que devo ter visto uma dúzia de vezes. Sucesso mesmo faziam os filmes do Elvis Presley, que lotavam as matinés. Filmes do Elvis seguidos de quermesse no Colégio Santa Inês, a meia quadra do cinema, significavam um domingo glorioso.

O velho cinema se prestava também para encontros amorosos e foi numa sessão de domingo que venci a timidez e dei o primeiro beijo numa namorada. Pelo jeito ela não gostou, pois retesou o corpo. De minha parte foi um gesto inocente perto dos amassos contados pelos amigos e sei de histórias mais picantes, mas vou preservar os nomes porque hoje são todos cidadãos da maior respeitabilidade.

Foi no Ritz que assisti também ao meu primeiro filme pornô. Calma que eu explico. Tratava-se de um drama europeu em que havia uma cena de nudez: a protagonista saia da banheira para apanhar a toalha e expunha uma bunda branca por dois ou três segundos. Foi o suficiente para que a turma assistisse a todas as sessões daquela semana, aguardando a excitante cena. Mas esse filme era fichinha perto de “E Deus criou a mulher”, exibido dois ou três anos antes e que escandalizou as devotas e devotos da Igreja São Sebastião, entre os quais se incluíam meus familiares, de forte tradição religiosa. O saudoso padre Alfredo fez um duro sermão, condenando a pornografia do filme de Roger Vadim, que apresentava cenas de Brigitte Bardot, na exuberância da juventude (o filme é de 1956), completamente nua. Como eu era “de menor” não tinha assistido ao filme, mas depois das reações que provocou, fiquei excitadíssimo para conferir – o que só vim a fazer anos mais tarde.

Na verdade, as relações do cine Ritz com a paróquia em frente sempre foram problemáticas. Ocorre que uma geração anterior a minha tinha por hábito afrontar o rebanho católico, trocando os letreiros que anunciavam os filmes por mensagens sacanas. Na época, o título dos filmes era composto, letra a letra até formar as palavras, com tipos de metal, numa estrutura que ficava acima dos cartazes. Na madrugada, os bandalhos providenciavam uma escada e refaziam os títulos, sempre adicionando um palavrão. Quando isso acontecia, o sermão das missas dominicais era de condenação a “esses enviados do demônio, que não respeitam a casa de Deus”. Os autores da safadeza, agora sessentões, estão todos vivos e não me deixam mentir.

Sei não se o fechamento do Ritz para reformas e a reabertura depois como agência bancária não foi um castigo dos céus, enquanto o templo católico está lá, firme e forte e acolhendo os fiéis.

Amanhã: O Sequestro do bonde Petrópolis

Recomendo

Bier Markt, na Castro Alves, 442. A casa oferece 42 variedades de cervejas nacionais e importadas, além de oito tipos de chopp, que podem ser acompanhados por petiscos alemães. Gostei muito da Abadessa Slava. Uma delícia. Paguei a conta, não pensem que foi 'toco'.

Capitu rediviva

Breve aqui, em capítulos emocionantes !

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Meio ambiente entra na agenda da China

Para não dizerem que só escrevo bobagens, aí vai um texto, digamos, mais denso, publicado originalmente na última edição da revista Ecos:

O jovem diplomata chinês que acompanha a missão da Prefeitura de Porto Alegre em Xangai (novembro de 2008) suspira de saudade quando lembra, com seu sotaque marcadamente lusitano, o azul dos céus brasileiros, ele que serviu no Rio e foi contagiado pelas belezas e a cultura do nosso país. Xangai, com seus 14 milhões de habitantes, transformada em imenso canteiro de obras para a ExpoXangai 2010, reforça as razões de Jiang Chen para evocar o azul celeste do Brasil, em contraste com o que observamos aqui. É um dia claro de outono, mas Xangai, como todas as grandes cidades chinesas, está coberta por uma densa névoa - a poluição atmosférica, já integrada a paisagem urbana, grande parte resultado do frenético ritmo da construção civil.
Xangai pulsa no compasso da nova China, onde as mudanças têm sido tão dinâmicas e aceleradas, a partir da ascensão do grupo de Deng Xiaoping ao poder, que a economia tem crescido a incrível média de 10% ao ano. As reformas introduzidas, após a era Mao e a Revolução Cultural, catapultaram um dos países mais miseráveis do mundo à condição de segunda potência econômica mundial. Graças a isso, nos últimos 25 anos, mais de 400 milhões de chineses foram tirados da miséria e passaram a integrar o mercado de consumo.
O crescimento econômico da China, com o aumento da demanda por energia, impuseram um preço e quem mais pagou foi o meio ambiente. Ao que parece a modernidade ainda não chegou, por exemplo, às minas de carvão, cuja extração estabelece uma cadeia de insalubridade e poluição intermináveis. As condições de saneamento, especialmente no interior, são precárias e mesmo nos grandes aglomerados urbanos possuir banheiro privativo em casa, com vaso sanitário e instalação hidráulica, agora é sinal de status, como bem relata a ex-correspondente da Rede Globo na China, Sônia Bridi, em seu livro Laowai (Estrangeiro). Não se tem informações adicionais confiáveis sobre o destino e o tratamento dado ao esgotamento sanitário. Relatório do Banco Mundial mostrou que 16 das 20 cidades mais poluídas do planeta ficavam na China, que é o segundo maior emissor mundial (14%) de gás carbônico (CO2), atrás apenas dos EUA (23%). Outro dado preocupante diz respeito ao uso abusivo das águas e a profusão de represas que estão secando os rios do norte.
Entretanto, já é possível observar sinais de mudança nesse quadro. A China, que até 2007 negava sua posição entre os poluidores mundiais, passou a mostrar preocupação diante de seus dados ambientais alarmantes, reconheceu sua contribuição para o cenário atual e lançou uma série de iniciativas para reduzir os impactos no meio ambiente. Destaque para o compromisso de melhorar em 20% sua eficiência energética e obter até o ano que vem 10% de seu consumo de energia de fontes renováveis. O plano de proteção ambiental de cinco anos, aprovado pelo Conselho de Estado da China, colocou o controle e a prevenção da poluição no foco do governo. Os dados disponíveis (2006) indicam que esse esforço se traduziu num investimento histórico de 34,2 bilhões de dólares no controle da contaminação ambiental, ou 1,2% do PIB chinês.
Como o motor da nova China chama-se “planejamento estratégico” – o horizonte futuro tem 20 anos – a esperança é que os investimentos e planos para enfrentar a poluição, que continua grave, se consolidem e se ampliem nesse horizonte. É a mesma esperança que move a população da província de Jiangsu na recuperação integral do lago Taihu, Trata-se do terceiro maior lago de água doce da China e o manancial hídrico mais importante de Jiangsu, onde se localiza Suzhou, cidade irmã de Porto Alegre. O lago fornece água também para Xangai e foi cenário de recente desastre ecológico. Uma espuma verde, causada por reação bacteriana à poluição, literalmente asfixiou as águas do Taihu, comprometendo o abastecimento a mais de um milhão de pessoas.
Na passagem da missão de Porto Alegre por Suzhou, o primeiro compromisso agendado pelas autoridades locais foi exatamente uma visita ao Taihu. O objetivo foi mostrar, orgulhosos, mais do que as belas rochas calcáreas ali encontradas em grande quantidade, os resultados dos esforços dos governos locais e central na recuperação da qualidade da água do Taihu, que já apresenta melhorias visíveis. Foi um processo com direito, inclusive, a ativismo ecológico, ainda incipiente, mas presente nas manifestações contra a contaminação do lago.
A verdade é que às águas do Taihu readquiriram sua tonalidade original, diferentemente dos céus das grandes cidades chineses, que ainda estão longe de permitirem mirar o azul que povoa os sonhos do jovem diplomata Jiang Chen.

Previsão

“ Ainda não sabemos quem será o próximo presidente da República, mas já sabemos quem será eleito em 2014: Lula.” (E.M.)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O Circo de Petrópolis: Noite de horror, dia de gloria - Final

"Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona"

Resumo da postagem anterior: a delegação do valoroso Tupy, do bairro Petrópolis, excursiona para a localidade de Santa Rita, a beira da Lagoa dos Patos, promovendo confusões e levando pânico à pacata população local. Durante o baile na noite de sábado, entre outras ocorrências, um dos visitantes se envolve num episódio que poderá ter conseqüências dramáticas:

O Pezinho, um agregado de quase dois metros, decidiu participar dos lances do leilão de um porco assado, que desfilava pelo salão erguido acima da cabeça pelo leiloeiro. Não só participou como fez um lance absurdamente alto, que ninguém cobriu. Foi um alvoroço, com direito a palmas da platéia ao vencedor, até que veio a contrainformação do Pezinho: “Dá mais uma voltinha com o porco que eu não tenho dinheiro.”

Ato seguinte, surgiu um baixinho com um 38 a mão e passou a ameaçar o Pezinho, acusando-o não de fraudar o leilão, o que já era grave, mas de desrespeitar as nativas. A suspeita é de que o Pezinho, que era exímio dançarino, tivesse convidado a namorada do baixinho para rodopiar um bolero e quem sabe o que rolou durante a dancinha. O fato é que o baixinho apontava o reluzente 38 para a cabeça do Pezinho. A roda se abriu, saltou gente para tudo que é lado e foi pedida a intervenção da única autoridade policial da localidade, o cabo Moiano, da Brigada Militar. Mas o brigadiano não teve tempo de intervir, porque o Pezinho simplesmente não tomou conhecimento da ameaça. E com uma frase, afastou o revólver: “Tira essa merda daqui, se não eu mijo no cano”. Todos ficaram pasmos, esperando a reação do baixinho que, por prudência, foi afastado da confusão, mas marcou posição e saiu resmungando e xingando “esse pessoal da cidade que não respeita as moça de família”.

Segue o baile e, de repente, mais um lance inusitado numa noite em que tudo podia acontecer. A bandinha atacou mais um bolero e logo nos chamou a atenção a voz do novo crooner: era o Porquinho, outro agregado, um figuraço, que não apenas cantava bem, mas possuía um vasto repertório de boleros, tangos e sambas-canção. Lá estava o Porquinho, em cima do praticável que sustentava a bandinha animadora de brancos e morenos, emendando um sucesso atrás do outro. O episódio serviu para amenizar um pouco as estrepolias da turma de Petrópolis.

Mas eis que surge a notícia: O Chiquinho foi preso. O Chiquinho era um negro forte, zagueiro dos bons, que tivera uma passagem pelo futebol profissional da Bahia. Só que o time em que ele jogava veio fazer uma excursão ao Estado e de tanto ser goleado, se desfez em Porto Alegre e devolveu o Chiquinho a Petrópolis. Nessa excursão, ele era “vendido”como uma das atrações do nosso time, junto com o habilidoso Volnei - que havia atuado no Grêmio na década de 60, como Volnei II, além do Silvinho que era um excepcional jogador, mas que profissionalmente só tinha no currículo os testes que fizera num time da segunda divisão, em São Gabriel ou Santiago. O que importa agora é que o Chiquinho estava preso e fomos interpelar o brigadiano sobre os motivos da detenção. O simplório informou que fora desacatado, daí ter recolhido o elemento ao xadrez – sim, tinha um xadrez na localidade. Assim que o dia clareou, fomos visitar o Chiquinho na cela e encontramos ele dormindo tranqüilamente sobre um carrinho de lomba, que fazia as vezes de cama. Até hoje procuro uma explicação sobre o que fazia um carrinho de lomba naquelas planuras arenosas. O que nos intrigava também é por que o Chiquinho não reagira à ordem de prisão, ao que ele respondeu:

- Eu tava com sono e aqui pelo menos dá pra dormir mais tranqüilo.

A horas tantas da madrugada, um acontecimento poderia ter provocado, afinal, uma revolta da população local. Ouviu-se uma explosão em frente a hospedaria, atraindo muita gente. Um jipão, provavelmente de um dos caciques locais, fora sabotado: alguém colocou areia no tanque de combustível e quando o veículo foi ligado, o motor fundiu, provocando a explosão. Claro que toda a população da vila logo apontou os invasores como os responsáveis por mais aquela confusão. Mas o autor da sabotagem foi identificado: era um jovem local, que aproveitando a confusão reinante na vila, resolveu aprontar um ato de vandalismo. Dessa vez estávamos inocentes.

O dia afinal clareou e até o Chiquinho foi solto, não sem antes reclamar da precariedade da cadeia que nem café da manhã lhe oferecera. A manhã foi calma: todos estavam esgotados pela noite indormida e pelo excesso de bebidas, além disso precisávamos nos preparar para os jogos da tarde. Ao meio dia em ponto seria servido o almoço, um putchero que cozinhava em grandes panelões desde as 6 da manhã. A turma se jogou no sopão como um bando de esfomeados que, na verdade, era. E tudo regado a mais cervejas. Findo o almoço, Mastsdorf foi anunciado para discursar em nome dos visitantes. O negrão se levantou e deu início a um discurso memorável, inflamado, recheado de citações de autores que ninguém conhecia, o que lha garantia credibilidade e respeito entre os locais. Ele se superou quando destacou as qualidades do grupo visitante:

- Plêiade de universitários, jovens altaneiros, dignos representantes da mocidade de Petrópolis!

A discurseira beirava o constrangimento para nossa delegação, mas os nativos estavam maravilhados com aquele negro cheio de erudição. Mastsdorf sentiu que estava agradando e passou a elogiar as qualidades técnicas dos nossos jogadores. Citou primeiro o Volnei, “grande craque do nosso tricolor” – o Mastsdorf era gremista fanático -, o Chiquinho, “este excepcional zagueiro que importamos do futebol da Bahia”, o Silvinho, “fiquem atentos ao futebol deste moço, porque ele vai longe”, e exagerou ao elogiar as qualidades do nosso ponteiro Zé do Burro, um negrinho arisco que teria tido uma obscura passagem pelo Botafogo do Rio, onde era conhecido como “Ciscão”.

A citação do Volnei como ex-craque gremista – o Grêmio parecia ser dominante entre os torcedores locais – fez convergirem para ele todas as atenções. Seguiram-se pedidos de autógrafos, perguntas sobre o futuro dele – “estou estudando algumas propostas, talvez até volte para o Grêmio”, afirmou descaradamente -, enquanto os dirigentes locais desmanchavam-se em gentilezas materializadas por mais e mais cervejas. A comoção provocada pelo discurso do Mastsdorf fora tanta, que o orador local, pressentindo que não chegaria perto daquela verborragia entusiasmada, desistiu de falar e, acreditem, pediu ao mesmo Mastsdorf para substituí-lo nos agradecimentos. E o nosso orador deu mais um showzinho, sendo ovacionado no final. Era a consagração, o resgate dos melhores valores petropolitanos. Aquele matutos interioranos reconheciam agora a nossa superioridade moral, social e intelectual.

E chega a hora dos jogos. Na preliminar, o nosso segundo quadro, do qual participava como esforçado lateral-direito, levou um passeio do adversário. Se a memória não me trai, foi 3 x 1 e saiu barato. Nem poderia ser diferente: nosso time era uma baba e uma baba de ressaca. O jogo foi disputado sem outras anormalidades, exceto por um ataque epilético que acometeu nosso zagueiro, cujo nome vou preservar, ainda no primeiro tempo O cara não podia beber e pelo jeito foi além da conta na noite anterior. Mesmo assim, passado o treme-treme, voltou ao jogo porque na várzea é assim: ataque epilético não é motivo suficiente para substituição.

O grande momento se aproximava. De um lado, a legião de craques de Petrópolis, com seu uniforme do São Paulo – branco com listras vermelha e preta na altura do peito – terno conseguido pelo Mastsdorf, enquanto o segundo quadro jogava de verde e branco, mas não é o caso de explicar agora o porquê dessa diferença. Do outro lado, o aguerrido time de Santa Rita, sedento de vingança. Bola em jogo e o que se viu foi uma das mais extraordinárias exibições de uma equipe varzeana em todos os tempos. Comandado pelo Volnei e pelo Silvinho, nosso time mostrou técnica, garra, determinação, impondo novamente, agora no campo esportivo, a superioridade petropolitana. Foi uma goleada de 4 x 0, se a memória não me trai novamente, com uma atuação merecedora de aplausos da torcida que lotava o acanhado estádio local. “Como podem beber e farrear a noite inteira e jogar com tanta categoria”, “Nunca vimos nada igual aqui”, foram algumas exclamações ouvidas entre os nativos.

Ao final do jogo, a torcida invadiu o campo para celebrar os gigantes da bola, o verdadeiro dream team do futebol varzeano. E o festerê foi retomado, agora na copa do estadinho. Os dirigentes locais faziam questão de confraternizar – e pagar muitas cervejas – aqueles que tinham lhes proporcionado uma tarde inesquecível.

Era hora de voltar à civilização. Os dois motoristas do Expresso Maracanã, que havíamos contratado e estavam sumidos desde a chegada, reapareceram e, antes de iniciar a viagem de retorno, fizeram um alerta: “O ônibus está com problemas de câmbio e não podemos parar no meio do caminho”. Os espertos motoras sabiam com quem estavam lidando...

Definição

"Os blogs são o jornalismo do umbigo". (N.S.)

Filosofia do Natalício

Mais uma frase estampada na parede do Boteco Natalício, ali na Cidade Baixa:

"Quem cedo madruga, fica com sono todo o dia."

domingo, 11 de outubro de 2009

O Circo de Petrópolis: Noite de horror, dia de glória - 1ª parte

"Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona"

Era muito comum naquele tempo, entre os anos 60 e 70, os times varzeanos promoverem intercâmbio com equipes de outras cidades. A moda era mandar um ofício convidando o “co-irmão” para uma tarde de futebol “reunindo primeiro e segundo quadros”. Esse conjunto e mais os agregados lotavam um ônibus. E ainda havia a banda, com sua variedade de instrumentos de percussão, que também serviam para esconder cervejas e outros produtos surrupiados das biroscas de beira de estrada. Era inacreditável que os jogadores conseguissem entrar em campo depois de uma viagem regada a cerveja e destilados.

São inúmeras as histórias dessas incursões ao interior protagonizadas pelos esquadrões petropolitanos. Em uma delas, à localidade de Cancela Preta, que seria em Santo Antonio da Patrulha ou Maquiné, o campo tinha um inacreditável degrau na linha divisória. Naquela ocasião, tivemos que abandonar às pressas o local, após os jogos, porque alguém espalhou que o Luciano, nosso técnico, era o Dilamar Machado. Para entender a situação, o Dilamar era o Zambiasi ou o Gugu Streit da época e a TV não tinha a força e o alcance de hoje, para desmascarar a farsa. Foi um tal de gente pedindo coisas que a delegação começou a ficar preocupada. O pavor bateu mesmo quando uma senhora pediu ao falso “Delamar” que levasse seu filho de colo para criar. Aí decidimos que era hora de partir.

Mas a mais memorável excursão aconteceu para Santa Rita, um simpático distrito de Camaquã, a beira da Lagoa dos Patos. Como presidente do Tupi cometi a besteira de concordar que a viagem fosse na véspera porque haveria baile e estariam nos esperando. A turma estava assanhada e lá se foi a briosa delegação do Tupy, sábado à tarde, em busca de grandes emoções. O que ninguém imaginava era a freqüência e a intensidade dessas emoções. A delegação tinha de tudo: estudantes, trabalhadores, e um grupo, reduzido é verdade, que beirava a marginalidade. Junto ia o Mastsdorf, que apesar do sobrenome era afrodescendente e freqüentava o grupo na condição de apenado em serviço externo. Até hoje não sabemos o que o bom Mastdorf aprontara para passar uma temporada no Cadeião e também não nos importava. Mas prestem atenção neste personagem porque ele será importante mais adiante.

Tudo pronto para a viagem, decidi me prevernir e convidei o Telmo, irmão um pouco mais velho, para chefiar a delegação. Eu era um guri na época, tinha 17 ou 18 anos, e o Telmo, com seus 25 anos, impunha mais respeito, pelo menos era o que eu achava. A viagem até Santa Rita foi repleta de paradas para que a turma se abastecesse de cervejas, na proporção de uma por uma – uma comprada, outra afanada.

Chegamos à localidade no fim da tarde e já na descida do ônibus criou-se uma confusão: um dos nossos teria acertado um soco em um nativo. Era o primeiro ato de um fim de semana em que o pacato distrito, ligado a uma empresa produtora de arroz, viveria momentos de horror e pânico com a invasão da horda petropolitana. O episódio seguinte foi o desafio de três ou quatro rapazes nossos para uma disputa de bilhar na birosca local, valendo cerveja, é claro. O detalhe é que um dos nossos se encarregava de apagar no quadro negro os pontos do adversário, refazendo a matemática que daria direito as geladas.

De confusão em confusão, veio a noite e a tensão pairava no ar na pequena localidade. E ainda havia o tão esperado baile pela frente. E onde hospedar aquela turba? A maioria, já acostumada aos desconfortos da vida, dormiria no ônibus, ou nem isso, ficando acordada a noite toda. A verdade é que a pequena vila comportava uma hospedaria e alguns, não sei como, se ajeitaram ali. A integração foi mais rápida do que seria de se esperar e logo o Chiquinho, nosso zagueiro, apareceu na portaria vestindo um pijama do velho dono da hospedaria, que era perneta e até parecia gostar da brincadeira, partilhando o chimarrão com o visitante.

Começa o baile, num velho depósito de arroz e, para nossa surpresa, o local era dividido em dois espaços, separados por uma cerca de pallets. À esquerda ficavam os “morenos” e à direita, os brancos. A surpresa decorria da naturalidade como aquela discriminação era aceita entre os locais. Nossa delegação, indignada, decidiu solidarizar-se com os morenos e foi toda para o lado esquerdo do salão. Na verdade, era menos solidariedade e mais atração pelas moças amorenadas, em maior número do que as branquelas do lado direito. Só que ocorreu uma reação inesperada das lideranças negras locais, que exigiram a retirada dos seus domínios da cota branca de invasores. Criou-se então um impasse porque os brancos não queriam sair e os nossos negros, agora solidários com os brancos, não queriam ficar. Acho que o Telmo conseguiu contornar o impasse e ficou cada um no seu canto. O ambiente estava pacificado, por enquanto...

O caldo quase entornou de novo quando o Pezinho, um agregado de quase dois metros, decidiu participar dos lances do leilão de um porco assado, que desfilava pelo salão erguido acima da cabeça pelo leiloeiro. Não só participou como fez um lance absurdamente alto, que ninguém cobriu. Foi um alvoroço, com direito a palmas da platéia ao vencedor até que veio a contrainformação do Pezinho: “Dá mais uma voltinha com o porco que eu não tenho dinheiro”.

Ato seguinte, surgiu um baixinho com um 38 a mão e passou a ameaçar o Pezinho, acusando-o não de fraudar o leilão, o que já era grave, mas de desrespeitar as nativas.

(continua)

Carnaval

O melhor de algumas escolas de samba são os fogos de artifício antes delas entrarem na avenida.

Filosofia do Natalício

Frase em cartaz na parede do Boteco Natalício, ali na Cidade Baixa:

"Não deixe que nada te desanime.Até mesmo um pé na bunda te empurra pra frente."

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Circo de Petrópolis: O Fim da Várzea

“Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona”

Nem só de momentos gloriosos foi construída a nossa carreira de atletas amadores nos campos de Petrópolis. Lembro que em determinada época fazíamos parte dos aspirantes do Grêmio Esportivo Bagé, treinados pelo Silvio Carroceiro. A sede ainda existe ali junto a Praça Tamandaré, entre as ruas Caçapava e Taquara. Os aspirantes faziam a preliminar dos jogos do campeonato amador da cidade, normalmente às duas da tarde, logo depois do lauto almoço dominical. Pior que isso: éramos reservas de um time que só levava goleada. Um Íbis versão varzeana. O vexame mesmo era enfrentar a gozação da torcida adversária:.

- Vocês devem ser muito ruins para ficar na reserva deste time, provocavam junto à tela no banco de reservas.

Passávamos outros vexames, como o de ser levados para jogos em campos mais distantes de Petrópolis na carroçaria de um caminhão de transporte de adubo. Constrangidos, ficávamos agachados quando retornávamos ao bairro, enquanto o caminhão disseminava seu odor por onde passava.

Duro mesmo era jogar no campo do Vila América, em pleno Mato Sampaio. Atrás de uma das goleiras havia um barranco e, depois dele, a vila. Bola caída no barranco não voltava, até porque ninguém se arriscava a recuperá-la.

Outro campo terrível era o do Bonsucesso ali atrás da extinta Gaúcha Car, na Vila Jardim. O campo era em declive, coisa de um metro ou mais de diferença entre uma goleira e outra. Foi no campo do Bonsucesso que outro companheiro de zaga, o Sertão – este sim um diabo de tão tosco – prensou um atacante adversário contra a cerca que separava o campo da sanga que corria atrás de uma das goleiras. Descendo a ‘lomba’, o cara perdeu o tempo da jogada e saiu pela linha de fundo, com o Sertão atrás. O choque dos dois contra a cerca provocou um estrondo, algumas costelas quebradas no atacante e quase degenerou em conflito generalizado. Prudentemente deixamos o adversário ganhar a partida. Era questão de sobrevivência. O Bonsucesso tinha uma particularidade: o goleiro do time titular era maneta, mesmo assim era competente na sua função.

O campo do Universal, onde hoje está instalado o Bourbom Shopping da Ipiranga, era mais ajeitadinho. Mesmo assim, os jogos precisavam ser suspensos temporariamente para a passagem de uma vara de porcos, eis que ao lado do campo funcionava um chiqueiro. O Clarão da Lua jogava num campo ali na área ocupada hoje pelo Parcão. Era um campo sem alambrado e jamais esqueço que via os adversários tomarem boleta durante o jogo, a beira do gramado. Tinha doping na várzea, sim, mas aí já é outra história.

Já o campo do Concórdia, onde hoje é a avenida Nilópolis, era um verdadeiro alçapão. O acesso era através de uma pinguela sobre um arroio – bola caída no arroio parava o jogo - e havia poucas rotas de fuga em caso, muito comum, de brigas entre jogadores ou torcidas ou todos contra todos. A única saída era correr morro acima no que seria hoje a praça da Encol. Nossa vingança, cada vez que sofríamos hostilidades, era profetizar que logo aquele campo seria trespassado por uma avenida e “adeus Concórdia”. Isso de fato aconteceu, mas anos depois, e o Concórdia ficou na saudade.

(continua)

Descoberta

Alegria de blogueiro é receber comentários sobre suas postagens.

A pedido

Prova inconteste de prestígio. O blog já está sendo acionado para divulgar os acontecimentos da cidade. Como a causa é boa e não custa nada, aí vai:
Advogado Ricardo Giuliani lança livros com reflexões sobre o direito, a política e o poder. As obras serão lançadas oficialmente terça-feira (27/10), às 19h30, na Livraria Cultura do Boubon Shopping Country. Haverá sessão de autógrafos e um bate-papo sobre o tema dos livros com o Dr. Leonel Severo Rocha (Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Direito) e o jornalista e escritor David Coimbra.
Vou nessa, nem que seja para reencontrar o David.

Filosofia do Natalício IV

O Boteco Natalício é um simpático e barulhento bar ali da Cidade Baixa, com as paredes cobertas de ditos populares ou frases de para-choque de caminhão, como esta:

"quem dá aos pobres ainda tem que pagar o motel."

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Circo de Petrópolis: Um Jogo Memorável

"Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona"

A infância e a juventude são tempos de lembranças, melhores no primeiro caso, nem tanto no segundo. Dos tempos da juventude, guardo com carinho as peladas nas praças Tamandaré e Ararigbóia, quando formava uma dupla de zaga com meu irmão Tadeu. Era uma dupla à antiga, um na caça e outro na espera. Eu, mais velho, porém mais baixo e mais limitado tecnicamente, era o zagueiro da espera. O Tadeu, com mais imposição física, saia à caça e era implacável. E assim conquistamos uma relativa fama na várzes petropolitana como os irmãos Diabo. No meu caso, a designação era totalmente injusta, pois em comparação ao Tadeu, era uma moça para jogar. Mas ficou a fama e ainda hoje encontro companheiros daquele período que me tratam por Diabo, eles que em algum confronto foram vítimas das botinadas mais de um do que de outro.

Convém esclarecer que, afora a vitalidade, éramos não mais do que esforçados boleiros do Tupy ( com y para ficar charmoso) e dos times que representavam as praças municipais nos aguerridos campeonatos promovidos pela prefeitura. Certa vez enfrentamos o Rolinho do Internacional, espécie de aspirantes do time infantil (a nomenclatura era essa, na época), no campo do Ararigbóia. O técnico colorado era o grande descobridor de talentos Jofre Funchal. Apesar disso e da superioridade técnica do adversário, vencemos por 2 x 1 e, se não me engano, foi de virada. Já sem idade para disputar a categoria, aos 16 ou 17 anos, eu era o presidente do Tupy e naquela memorável tarde de sábado tomei o maior porre da minha vida, uma mistura de cachaça, conhaque e vermute. Não satisfeito, desafiei dois brigadianos, chamando-os de “Pé de Porco”. Na época, era o pior dos desacatos - e olha que sou filho de brigadiano. Só fui salvo da detenção graças a intervenção do Luciano, nosso treinador, que segurou os PMs com uma frase:

- Vocês sabem com quem estão falando?

Diante do questionamento, os brigadianos estacaram e o Luciano emendou, enfático:

- Com o presidente do Grêmio Esportivo Tupy.

A intervenção foi suficiente para permitir que fugisse para casa onde vomitei até os doces da minha primeira comunhão.

Anos depois, já repórter esportivo, relembrei o episódio com o velho Jofre que não apenas recordava do jogo, como acrescentou que ficara encantado com o desempenho de um vigoroso zagueiro do adversário, chegando a cogitar de levá-lo para testes no Inter. O perfil se encaixava justamente no Tadeu e eu fiquei imaginando meu irmão fazendo dupla com o Figueroa no grande Inter da década de 70. Mas nada disso aconteceu. O Tadeu trocou a caça aos adversários pelos meandros da justiça, tornando-se um bem sucedido advogado. Perdeu o Inter? Ganharam os clientes? Como saber? O que sei é que aquele foi o jogo da minha vida, tanto assim que, passados mais de 40 anos, ficou guardado na memória. E poderia ter sido o jogo da vida do Tadeu que, além de tudo, é colorado.
(continua)

Do contra

Yeda, Yeda, sempre na contramão: faz da limonada um limão

Filosofia do Natalício III

O Boteco Natalício é um simpático e barulhento bar ali da Cidade Baixa, com as paredes cobertas de ditos populares ou frases de para-choque de caminhão. Esta aqui deveria estar lá:

”Às vezes, é melhor ficar quieto e deixar que pensem
que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida. “

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Tô me achando

Dois dias no ar e Via Dutra já tem seis comentários e duas seguidoras. É a glória!

Quase lá II

O futuro me reserva uma nova posição sexual: "vovô e vovó" !

Recomendo

O livro "O hipnotizador de Taquara e outras crônicas de TV", de Sergius Gonzaga, lançado na semana passada. Cada crônica melhor do que a outra.

Arrancada vitoriosa

Primeiro dia e quatro comentários. Expectativas superadas. Obrigado, gente amiga. Agora rumo a Academia Brasileira de Letras.

Circo de Petrópolis I: Uma noite no Senegal

“Era tanta palhaçada que para virar circo só faltava a lona”

Naquela fase da vida, lá pelos 16, 17 anos, em que só temos futebol e sexo na cabeça, um grupo de potenciais bandalhos de Petrópolis freqüentava na rua Alegrete um clube que apelidamos de Figueirinha ou Fogueirinha. O nome oficial era Clube Senegal, uma exaltação a negritude da maioria dos freqüentadores. Era uma velha casa de madeira, com um pátio grande atrás onde funcionava também um terreiro de umbanda.

Sábado à noite, depois das primeiras rodadas de cerveja, batíamos ponto lá, na esperança de conquistar alguma moçoila que, quem sabe, seria generosa e nos concederia seus favores sexuais. O local tremia quando começavam as dancinhas, embaladas por um velho DJ. O homem sabia o que aquele público gostava e emendava sucessos de Tim Maia, Renato e seus Blue Caps, versões dos Beatles, músicas para dançar agarradinhos e de olhinhos fechados - estávamos no final dos anos 60. Mal comparando, seria um baile funk de hoje.

Nós ficávamos a beira da pista de dança, sondando o ambiente e mirando presas em potenciais. Éramos bem recebidos pelos outros homens que freqüentavam o local, mas não tínhamos muito sucesso com as mulheres, talvez porque a dança não fosse nosso forte ou porque as moças pressentissem nossas más intenções. Mas a gente insistia e sei de casos de companheiros que foram bem sucedidos e chegaram aos finalmente.

Em uma dessas noitadas estávamos por ali o magro Tonico, o Paulinho do Vinho e eu, assuntando e bebericando, quando uma moça começou a se sentir mal. Os sintomas eram de quem tinha abusado da bebida. Logo formou-se um grupo de palpiteiros junto a moça e achei que era hora de intervir.

- Com licença, sou estudante de medicina e gostaria de examinar a moça.

Provavelmente fui convincente na minha encenação porque a roda logo se abriu e até senti alguma reverência do pessoal com a presença naquele local de um futuro médico.

- Vamos afastar gente que o rapaz é médico, exagerou um sujeito.

O Tonico e o Paulinho do Vinho ficaram pasmos, mas não entregaram a farsa. De imediato, levei a moça para um tanque que havia no pátio e, no pressuposto que era bebedeira, passei a jogar água no rosto dela. “Para essas situações, água é o melhor remédio”, justifiquei. E ensopei a moça de água, até que ela começou a reagir, mas de forma muito estranha. As mãos ficaram crispadas como se fossem garras e começou a guinchar e dar passos, aparentemente desconexos, para frente e para trás, enquanto movimentava a cabeça em todas as direções. Parecia uma fera acuada. Rapazes, eu vi. Vi e me assustei. Foi quando senti uma mão pesada no meu ombro e uma voz que dizia:

- Agora deixa comigo.

O dono da voz era um negrão, largo e alto como um armário, que começou um ritual para domar a entidade que havia se apossado daquele corpo moreno e juvenil. Não entendo muito do assunto, mas acho que era o Pai-de-Santo do local porque com dois ou três toques na moça, ela aos poucos voltava ao normal. Aproveitei para sair de fininho, acompanhado dos boquiabertos Tonico e Paulinho do Vinho.

“E aí, doutor, como ela está?”, indagaram no salão. “Na parte médica, tudo bem, agora é com o sobrenatural”, me desculpei.

E tratamos de escapar as pressas do local e curtir o resto da noite em outras paragens porque a situação tinha fugido do controle. Foi então que jurei nunca mais exercer a medicina.

Filosofia do Natalício II

O Boteco Natalício é um simpático e barulhento bar ali da Cidade Baixa, com as paredes cobertas de ditos populares ou frases de para-choque de caminhão. Esta aqui não sei se pertence ao acervo, mas merecia:

“Que mulher nunca comeu uma caixa de Bis por ansiedade, uma folha de alface por vaidade e um cafajeste por saudade?”

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Filosofia do Natalício

O Boteco Natalício é um simpático e barulhento bar ali da Cidade Baixa, com as paredes cobertas de ditos populares ou frases de para-choque de caminhão, como esta:

'Se tiver que casar,
case com uma mulher baixa.
Dos males, o menor!'

Quase lá

Ainda não completei 60 anos, mas estou quase lá. Aos 59 me sinto na plenitude das minhas capacidades, cabeça arejada, sem maiores problemas físicos, não fosse o cigarro, e pronto para o que der e vier. Meu 0800 de reclamações sobre desempenho sexual não tem sido acionado, só não me peçam para apresentar testemunhas. (Até teria algumas histórias picantes pra contar, mas aí são outras crônicas...). Enfim, estou enfrentando essa quadra da existência sem maiores sobressaltos, não fossem alguns incidentes que passaram a me incomodar. A começar pelo fato de que me dei conta, onde trabalho, de que sou o mais velho entre meus pares. Essa é uma realidade dura de se constatar, embora me sinta mais jovem do que muitos deles, e conviva bem com gente de todas as idades. Observo também que recebo cada vez mais o tratamento de "senhor", sem contar o abominável "tio" quando se trata de gurizada. Mas a pior das situações, a prova inconteste de que a idade está pesando na aparência, o que está mexendo mesmo com minha auto-estima, tem acontecido nas idas aos bancos.
Por algum motivo que não vem ao caso, tenho freqüentado com mais assiduidade do que gostaria as filas bancárias. Alguns estabelecimentos têm senhas especiais para idosos, que disputam atendimento preferencial com grávidas, ppds e senhoras com crianças no colo. E aí começam meus constrangimentos. Na primeira vez que recebi a senha especial achei que era engano, mas não devolvi. Não pensem que me aproveitei de um privilégio a que não teria direito. Na verdade, fiquei tão chocado que não tive coragem de pedir a senha dos comuns mortais. Ainda pensei em me dirigir ao caixa simulando algum defeito físico para me encaixar em outra categoria de atendimento especial, mas achei que seria muita desfaçatez.
A história se repetiu duas outras vezes e de novo não devolvi a senha e também não desfrutei de benesses, porque a fila do caixa especial estava tão congestionada quanto as outras. A consciência ficou tranqüila, mas a repetição dos fatos, confesso, me perturbou. Não culpo as moças e moços que distribuem as senhas. Em dúvida, eles direcionam para o caixa especial, certamente para evitar o constrangimento de perguntar a idade. Depois me dei conta de que a barba e os cabelos brancos, herança genética da dona Thelia, minha mãe, estão induzindo o julgamento equivocado do pessoal dos bancos. Só pode ser isso, porque não me visto como idoso, não tenho postura nem atitudes de idoso - e aí não vai nenhum preconceito, mas apenas constatações.
Apesar de tudo, fica a certeza de que a triagem dos estagiários dos bancos não vai mudar minhas decisões de não pintar os cabelos, não usar rabo-de-cavalo tipo traficante colombiano, nem sair às ruas de camisa regata. É preciso chegar aos 60 e mais com um mínimo de dignidade. E a gurizada dos bancos que se prepare: um dia ainda acerto uma bengalada neles.

* Publicado originalmente em Coletiva.net, em 11/03/2008